sábado, 30 de dezembro de 2006

Receita de Ano Novo

Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo
até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?)


Não precisa
fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumidas
nem parvamente acreditar
que por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.


Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.

Carlos Drummond de Andrade

Na voz de Luís Gaspar:

quinta-feira, 28 de dezembro de 2006

Morreu Pierre Delanoë




Morreu ontem Pierre Delanoë, autor das letras de muitos sucessos da canção francesa.
Pierre Delanoë, pseudónimo de Pierre Leroyer, escreveu mais de 4000 letras para canções, entre as quais: para Gilbert Bécaud: Mes mains, Le jour où la pluie viendra, Nathalie, Je t'appartiens, Et maintenant, L'Orange, ou La Solitude, para Édith Piaf: La Goualante du pauvre Jean, Je Vois La Vie en Rose, para Tino Rossi: Deux amants, para Hugues Aufray: Le rossignol anglais, L'épervier, Les crayons de couleur, Stewball, para Michel Fugain: Je n'aurai pas le temps, Une belle histoire, para Nicoletta: Il est mort le soleil, para Nana Mouskouri: Que c'est bon la vie, Adieu Angelina, para Michel Polnareff: Le bal des Laze, para Gérard Lenorman: La Ballade des gens heureux, para Joe Dassin: L'Été indien, Champs-Elysées, Et si tu n'existais pas, para Nicole Rieu: Et bonjour à toi l'artiste, para Michel Sardou: Les Vieux Mariés, Le France, e também para Charles Aznavour, Claude François, Serge Reggiani, Dalida, entre muitos outros.



Et maintenant, que vais-je faire
De tout ce temps que sera ma vie

De tous ces gens qui m'indiffèrent
Maintenant que tu es partie

Toutes ces nuits, pourquoi, pour qui
Et ce matin qui revient pour rien

Ce coeur qui bat, pour qui, pourquoi
Qui bat trop fort, trop fort

Et maintenant, que vais-je faire
Vers quel néant glissera ma vie

Tu m'as laissé la terre entière
Mais la terre, sans toi c'est petit

Vous, mes amis, soyez gentils
Vous savez bien que l'on n'y peut rien

Même Paris crève d'ennui
Toutes ses rues me tuent

Et maintenant, que vais-je faire
Je vais en rire pour ne plus pleurer

Je vais brûler des nuits entières
Au matin, je te haïrai

Et puis un soir, dans mon miroir
Je verrai bien la fin du chemin

Pas une fleur et pas de pleurs
Au moment de l'adieu

Je n'ai vraiment plus rien à faire
Je n'ai vraiment plus rien...

Pierre Delanoë



Aqui, na excelente interpretação de Gilbert Bécaud:

quarta-feira, 27 de dezembro de 2006

4.º número da "Boca de Incêndio"




Hoje, 27 de Dezembro, pelas 18.00 horas, é apresentada no Café-Concerto do Teatro Municipal da Guarda, a quarta edição da revista “Boca de Incêndio”, editada pelo “Aquilo” Teatro.
A revista será apresentada por Pedro Dias de Almeida, colaborador da "Boca de Incêndio" e Editor de Cultura da Revista Visão.
A “Boca de Incêndio” é dirigida por António Godinho, Américo Rodrigues e por Maria Lino. Nesta quarta edição colaboram: António Bento, António Godinho, Barbara Spielmann, Barbara Assis Pacheco, Claire Moreau, Edmundo Cordeiro, Carlos Alberto Machado, Doris Cordes-Vollert, E. M. de Melo e Castro, Joan Lazeanu, João Camilo, José Oliveira, Jorge dos Reis, José Manuel Gomes Pinto, Kerstin Franke-Gneuss, Susann Becker, Tiago Rodrigues e Vítor Pomar.
“Boca de Incêndio” é uma revista semestral de âmbito literário e artístico, cujo número inaugural saiu em Maio de 2004. Aí são incluídos pequenos textos literários, necessariamente inéditos (conto, poesia), recensões, ensaios, artigos de opinião, trabalhos de investigação, desenhos, gravuras, banda desenhada. O leque de colaboradores tem um âmbito internacional e compreende escritores, poetas, artistas plásticos e investigadores.
Mais informações aqui.

terça-feira, 26 de dezembro de 2006

Que fazer logo à noite?




Pode dar um pulinho ao Bar B.Leza (que fica no Largo do Conde Barão, 50-2º, em Lisboa), para assistir ao espectáculo de música e poesia "Farrópe d' Poesia".
Palavras escritas de Angola, Cabo Verde, São Tomé, Moçambique, Brasil e Guiné-Bissau são ditas por actores de diversas nacionalidades, acompanhadas por música improvisada e tradicional de cada um dos países representados no espectáculo.
Hoje, ouvir-se-ão poemas do Brasil e de Guiné-Bissau.
Actores: Luanda Cozetti; Vera Mantero; Sofia Marques.
Músicos: Norton, baixo; Galissá, kora.



Outra opção é o Bar A Barraca. Nas terças-feiras de Dezembro o palco do Bar A Barraca está aberto a todos os que queiram declamar... a partir das 23 horas.
O Bar A Barraca fica no Teatro Cinearte - Largo de Santos, n.º 2, em Lisboa.

segunda-feira, 25 de dezembro de 2006

Conforme prometido, aqui ficam todos os poemas recebidos.
Prometo repetir este "espaço aberto".
Obrigada a todos e um Bom Ano Novo com muita Poesia.



Prece de Natal de 2006

Embora o frio aperte mais e mais,
Renasce em mim de novo a ilusão,
Que sempre agasalhou os meus Natais,
Enchendo de amor meu coração.

De novo em mim ressoa aquele brado
De Paz e Amor, qual Hino de Esperança,
Que pode transformar nosso passado
Num futuro de Paz e de Bonança.

E ante o Deus Menino que contemplo,
Que foi para todos nós, sublime exemplo,
De um Amor Fraterno, sem igual,

Eu peço: “Terminai com tanta dor.
Fazei em nós viver o vosso amor,
Que o Mundo viva em Paz Vosso Natal”.

Carlos Teles Gomes

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Natal...
época de Paz e Amor...
Jesus menino nasceu já Senhor.
Três Reis...
Trazendo veneração...
E ouro e outras merdas na mão!

POIS SIM! MERDA!
E se estiver errado...
seguro eu desta vez o cajado!

O Natal...
é quando o Sol representado
por um tal de Jesus oleado,
após três dias na "morte"
ressuscita para o norte!

O Natal...
essa época invernal...
repleta de pastores e ovelhas,
mas já não da Era de Peixes com orelhas
mas da Era do Capital!

Capital... Social!
Ahah! Sim! Social!
É fun-da-men-tal ser Social!
Que outra maneira teríamos de ser escravos
senão no Social?
...Escravos de Natal...

Não me levem a mal;
não sou demónio nem Satanás,
sou apenas um homem que faz
a pergunta fun-da-men-tal:

Porquê?

Porque no Natal,
pro-gra-mamos;
o materialismo nos infantes,
o despesismo nos adultos,
a inveja nos Amantes
e a ignorância nos incultos...

É que no fim,
quando o Pai Natal regressa ao caseiro,
quando os doces já estão no lixo,
é quando os débitos de Janeiro
finalmente são um bicho!
...E enquanto houver banqueiro
haverá frio em Janeiro!

Natal, Natal...
não me leves a mal;
não sou anjo nem querubim,
sou apenas um homem assim,

este escravo anormal...

Rui Diniz

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aperta-me
com mais força ainda
o natal chegou
e sinto tanto frio

esquece as palavras
não as quero ouvir
mentir em Dezembro é pecado
aperta-me em silêncio

não digas que me gostas
sinto tanto frio
basta que me apertes
porque é natal

esqueço as palavras
não as quero dizer
dizer a verdade em Dezembro é milagre
aperto-te em silêncio

não quero dizer que te gosto
basta que te aperte
sinto tanto calor já
agora que é capaz de ser natal

a. gil

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Natal 98

Uma estrela voou breve
e cintilante pairou
sobre as águas em tumulto
do manso Rio de Prata

Veio lembrar aos poetas
o sempiterno retorno
de mais um simples Natal

Joaquim Evónio

(in "Florilégio de Natal - Pelos escritores da Tertúlia Rio de Prata", Universitária Ed., 1998)

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Mas quais Natal, qual carapuça!

“Está mal posta, essa bolinha”
disse o Menino Jesus
viu a árvore de Natal
qu’era um pinheiro de truz

“Então põe tu, és tão bom”
disse então o Pai Natal
e a seguir pediu logo
para baixarem o som

AC/DC não é coisa
assim muito natalícia
vale mais comprar flores
uma rosa, uma estrelícia

Pai Natal foi à janela
e viu o trenó bloqueado
as duas renas sem trela
com um ar muito enjoado

“Quem bloqueou o trenó?”
perguntou o Pai Natal
e responderam-lhe as renas
“Vão ali no Chaparral”

No Chaparral branquinho
da cor da neve e do vinho
(bem, pelo menos algum
e também latas de atum)

fugiam os Três Reis Magros
avençados pela EMEL
bebiam leite da Agros
comiam bolos de mel

O Pai Natal foi-se a eles
e com maus modos gritou
“Seus palhaços de Belém,
querem a mal ou a bem?”

O Belchior ficou fulo
E disse prò Pai Natal
“Ó meu, eu não tenho culpa
que sejas um anormal”

“Mete o talão no focinho
nas tuas renas, visível
ou levas murro na tromba
e desligo-te um fusível”

Menino Jesus chegou
Numa vaquinha montado
ajudando à confusão
par de cornos embolado

“Não sejam assim, ó reis
estais tão magros de maldade

as multas pelo Natal
são enorme crueldade”

O Gaspar saiu do carro
olhou Jesus bem nos olhos
espetou-lhe na testa escarro
agarrou-o pelos folhos

“Ó meu puto atrevidão
isto são coisas d’adultos
levas já um estaladão
e não sonhes com indultos”

Menino Jesus chorou
e pensou rapidamente
se Natal é quando um homem quiser
eu estou urgentemente, mas é que é mesmo urgentemente
a necessitar completamente de uma cerveja da Unicer


Uma Santa Páscoa a todos os frequentadores (voluntários e involuntários) da Viscosidade-Eterna.blogspot.com
Luís Graça

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Um quase poema de Natal

em vez de um menino com incenso e mirra
e uma estrela no caminho
nasceu um Pai Natal com telemóveis e MP3
num trenó bem carregadinho
a vaca e o burro voltaram para o curral
e do estrangeiro importaram-se renas
porque nem sequer existem em Portugal

Carlos Vaz

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Natal com Luz

Estrelas brilhantes, no ar
De beleza sem igual
Olha-as a gente a pensar
Que são pedaços de cor
Arrancados com amor
À magia do Natal.



Natal sem Luz

Nos olhos desta criança
Em noite fria, cinzenta,
Cresce a vida, brota a esperança
E pensa;
"Nasci como outro igual
Sem jumento, sem rei mago,
Neste país Portugal
De presépio sofismado.
Para a esmola estendo a mão
Reflexo de mim, na montra iluminada.
Fria moeda que recebo para pão
Deus te ajude, benfeitora abençoada,
Seara ao vento, terra seca, rosnar do cão
No portal da casa, aldeia afastada
Que guardo em mim, recordação
Da foice, da enxada, desfolhada,
Do pai, da mãe, de meu irmão,
Aroma da pedra enfarinhada
Velas brancas do moinho. Meu pião
Brinquedo mais bonito na minha consoada,
Cristalina lágrima a cair no chão.
E o celebrante de voz engordurada,
Palavras de pecado, absolvição,
Deixai vir a mim as criancinhas
Anjos brancos, asas de renda,
Respeitar o jejum e as alminhas,
Nos céus ordena o Senhor enorme,
Primeiro Jesus
Depois a fome."

Luís Pinto
Dezembro/06


Este poema do Luís Pinto pode ser ouvido na voz do Luís Gaspar, na sua rúbrica "Lugar aos Outros" do Estúdio Raposa. Acesso directo, aqui.
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NATAL

NA TAL praça
Onde ergueram a árvore
Dormem homens
Que perderam os sonhos.

NA TAL árvore
Brilham estrelas
Que faltam nos olhos
Dos homens que dormem na praça.


Há uma praça
Onde ergueram uma árvore
E onde dormem homens
Que não têm NATAL.

José Luís Garcês

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Eram dias de plena Luz
Quando eu nasci...

Eram!!!!

O meu rosto
era como o Sol...

Era!!!

Eram
Sorrisos
entusiasmos
Sortilégios e magias
E um vale de utopias

Eram!!!

Natal:
Venha o diabo e escolha!!!

Venha!!!!

Joaquim Cascais

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Neve


hoje, a neve que cai é quente.

há uma brisa serena que desce mansamente sobre a mão.
há uma luz incandescente de dentro dos olhos,
que nos dias, tantas vezes esquecemos de acender,
e que é tão fácil de encontrar dentro do coração.

pessoas passam. as crianças correm, felizes.
luzes e enfeites dourados pendem sobre a rua.
acendem e apagam. acendem e apagam.
como a noite, maior, que acende e apaga no rosto da lua.


olho para dentro dos teus olhos,
e eles brilham mais que o normal.
pela janela do quarto vejo a neve quente a descer.
pego na tua mão como se pegasse no teu coração e digo:
— Esqueci-me de te dizer, Feliz Natal!


— Hoje não quero mais presentes — disse.
olhei para junto da árvore, e reparei que estava vazia.
a lareira ardia. incandescente.
mas não me importei. com os olhos rasos de água,
tornei a dizer: — O teu coração, é o meu maior presente!


continuou a nevar. a noite inteira nevou, e eu sonhei,
que a luz incandescente de dentro dos olhos,
seria sempre assim…

Pedro Lucas

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Natal és tu
Natal sou eu
Natal somos nós
E eles, e eles…
Natal é sempre que dás a mão
Natal é perdão
É Amor, alegria, sofrimento e dor...
Natal é sempre que ajudas alguém
aquele com um andar oscilante,
com uma lágrima constante,
por um caminho diferente…
Natal foi ontem
Natal é hoje
E, será amanhã…

Poesia Portuguesa

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Deixo-vos ainda um poema de David-Mourão Ferreira, na voz de Luís Gaspar:


Natal, e não Dezembro

Entremos, apressados, friorentos,
Numa gruta, no bojo de um navio,
Num presépio, num prédio, num presídio,
No prédio que amanhã for demolido...

Entremos, inseguros, mas entremos.
Entremos, e depressa, em qualquer sítio,
Porque esta noite chama-se Dezembro,
Porque sofremos, porque temos frio.


Entremos, dois a dois: somos duzentos,
Duzentos mil, doze milhões de nada.
Procuremos o rastro de uma casa,
A cave, a gruta, o sulco de uma nave...

Entremos, despojados, mas entremos.
De mãos dadas talvez o fogo nasça,
Talvez seja Natal e não Dezembro,
Talvez universal a consoada.

David Mourão-Ferreira

terça-feira, 19 de dezembro de 2006

Venham daí os poemas natalícios!













Ao receber um poema de Natal que um visitante cá da casa gentilmente me enviou, tive uma ideia: enviem-me os vossos poemas de Natal.
Prometo publicá-los TODOS (sem nenhuma espécie de censura) no dia 25 de Dezembro.
Faremos assim a nossa "Festa de Natal blogueira" partilhando entre todos aquilo que mais gostamos: a Poesia.
Podem enviar por e-mail para: inesramos.designer@gmail.com
Até lá, Feliz Natal e Boas Inspirações!

segunda-feira, 18 de dezembro de 2006

1.º Prémio Luso-Espanhol de Arte e Cultura para José Bento





O poeta e tradutor português José Bento venceu no passado dia 11 de Dezembro o 1º Prémio Luso-Espanhol de Arte e Cultura. Este Prémio, no valor de 75 mil euros, é atribuído pela primeira vez e pretende distinguir um autor, pensador, criador ou intérprete que tenha contribuído significativamente para o reforço dos laços entre os dois países.

José Saramago, Álvaro Siza Vieira e José Adriano de Carvalho (por Portugal) e Clara Janês, José Luís Borao e Carlos Hernandéz Pezzi (por Espanha) formaram o júri.


José Bento nasceu no litoral da zona de Aveiro, em 1932. Estudou no Porto e em Lisboa.
Nos anos 50, revelou-se como poeta em revistas de poesia como Árvore, Eros, Cadernos do Meio-Dia e Cassiopeia, de que foi um dos directores. É autor de vários livros de poesia, entre os quais «Sequência de Bilbau» (1978), «O enterro do senhor de Orgaz» (1986), «Silabário» (1992) e «Um sossegado silêncio» (2002).
Poucas vezes se preocupou em reunir os seus poemas em livro, pelo que o seu nome é normalmente citado como excelente tradutor de numerosos poetas de língua espanhola, clássicos ou actuais (S. Juan de la Cruz, Pablo Neruda, Cernuda, Quevedo, Jorge Manrique, Lorca, Vicente Aleixandre, César Vallejo). Traduziu também para português «Dom Quixote», de Miguel de Cervantes, editado pela Relógio d’Água e com a qual venceu o Grande Prémio de Tradução do Pen Clube Português, igualmente com Miguel Serras Pereira, também tradutor de uma outra obra de Cervantes.

quarta-feira, 13 de dezembro de 2006

Na estante de culto







A Musa ao Espelho

PATHOS
Pequena antologia quase inédita de poesia contemporânea portuguesa

“A eternidade alcança-se quando, espreitando sobre o ombro, vislumbramos o nosso próprio rasto, os traços imperecíveis da nossa existência, sem qualquer deus como tutor. As marcas da nossa passagem, acentuam-se com os sentidos; eles são a matéria-prima de que se constitui A Musa ao Espelho. Os laços que cimentam os seus elementos e os múltiplos convidados, neste caso, os catorze dos quinze poetas que construíram a ossatura antológica, definem, por si só, o Amor, Mágico Amor de que fala A. M. Lisboa. E é nessa ambiência genuinamente construída que edificamos o nosso projecto sem ambiguidades ou cedências. Numa portugalidade preconceituosa, mesquinha, de gostos sinuosos e por vezes atávica, subimos tranquilamente os degraus de uma longa escadaria, buscando o patamar onde reside um público atento, crítico, permeável à escrita poética e musical. Não almejamos o sucesso gratuito e, muito menos, a apoteose cega e efémera; procuramos simplesmente, partilhar afectos.”
(da Nota Introdutória de José Carlos Tinoco)

Pois foi partilhando afectos que o poeta (e meu amigo) Luís Graça adquiriu, para me oferecer, este belo livro/cd/dvd no espectáculo que A Musa ao Espelho realizou recentemente na Casa Fernando Pessoa e, continuando na partilha de afectos, vos ofereço aqui um dos poemas nele incluso.
Escolhi este de Eduarda Chiote porque veio (surpresa!) autografado pela própria poetisa com uma dedicatória à minha pessoa — que deste já agradeço.
A ambos.


Cantiga de Amor

Ó rosa dos sete ventos, por sete ventos
rodada,
defende-me
dos ladrões,
dos espantos doidos,
dos ventos,
e de mim. De mim também
e dos meus ventos
chorados.

Ó rosa dos sete espinhos
e no rochedo
cravados,
limpa o mar de todo o sangue, limpa a praia marinheira
das ondas do meu
pecado.

Limpa o coração deserto e a inocência do menino
trespassada pelo vidro da garrafa
arremessada
por veleiro sobre areia
adormecida,
por soltos cabelos
de água.

Ó rosa dos sete espinhos, por sete espinhos
rodada, traz-me o frio do céu limpo,
as nuvens da trovoada,
nos olhos do meu amor
e nas ruínas
abertas
de uma casa destelhada
ó rosa dos sete estrelos, por sete estrelos
rodada,
traz contigo todo o luto
desta música
inventada
no seu boné de marujo
ou no corpo não impresso de uma nota
descuidada.

Ó rosa dos sete estrelos, ó silêncio enevoado,
leva contigo
o Poema, leva contigo
a palavra.
Leva contigo
o Poeta
numa pérola de neve
e pela dor
fustigada
ó rosa clara de morte
ó nome do meu
amado.

Eduarda Chiote

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A Musa ao Espelho é um espectáculo intenso e eclético. Os poemas são interpretados por José Carlos Tinoco, acompanhado por Juca Rocha (piano), Ianina Khmélik (violino), Vanessa Pires (violoncelo) e Fátima Santos (acordeão). Os temas compostos ou adaptados para cada um dos poemas acentuam a ambiência do texto, transportando o espectador (ou ouvinte do cd) através da uma viagem imaginária, visitando diferentes espaços físicos e emocionais.
O CD e o DVD são o resultado da gravação ao vivo do espectáculo que A Musa ao Espelho apresentou no passado dia 24 de Julho de 2006 na Casa da Música no Porto.
Muito sucesso para este belíssimo projecto, é o que desejo.

Os poetas:
Ana Luísa Amaral
António Maria Lisboa
Bénédicte Houart
Carlos Poças Falcão
Daniel Jonas
Daniel Maia-Pinto Rodrigues
Eduarda Chiote
Filipa Leal
Helga Moreira
Humberto R.
João Luís Barreto Guimarães
João Rios
Manuel António Pina
Rosa Alice Branco
Rui Lage

Uma edição da Gailivro, de Novembro de 2006.

domingo, 10 de dezembro de 2006

Biblio Clube 24

Esta notícia foi-me enviada pelo Joaquim Cascais, assíduo aqui da casa.
Tal como ele, eu acho a ideia interessantíssima.
Ora vejam:




Chama-se "Biblio Clube 24" e o seu conceito inovador assenta no serviço de empréstimo autónomo de livros 24 horas por dia, 365 dias por ano. O projecto, submetido à Fundação Calouste Gulbenkian, foi um dos 16 escolhidos a nível nacional por este organismo, não se conhecendo no nosso país ou fora dele, semelhante equipamento. O "Biblio Clube 24" tem como objectivo potenciar a promoção da leitura, funcionando como complemento de um serviço tradicional de biblioteca, perspectivado para satisfazer as necessidades de uma população dispersa e com horários nem sempre compatíveis com os de uma Biblioteca convencional.
Para a utilização desta máquina, os utentes têm que possuir um cartão magnético, cedido gratuitamente pela Biblioteca da Batalha, por forma a serem "reconhecidos" pelo sistema.
Uma vez nessa situação, os utilizadores poderão proceder à requisição dos livros, divididos por diversos géneros, tendo para tal um timming para a leitura do livro e sua respectiva devolução. Caso contrário, o sistema bloqueia o empréstimo ao utilizador em causa e os seus dados são enviados aos Serviços da Biblioteca.

Quem teve esta ideia foi uma senhora chamada Carla Valente (bibliotecária), quando um dia foi tomar uma bebida a uma daquelas máquinas onde se põe o dinheiro, se carrega num botão para escolher a bebida e a máquina nos dá a bebida.
Esta máquina (a Biblio Clube 24) permitirá escolher 160 títulos diferentes distribuídos por oito temáticas (esperamos que a Poesia seja a mais solicitada!).

quinta-feira, 7 de dezembro de 2006

Hoje nasceu...




7 de Dezembro de 1937

Ary dos Santos

Poeta português










Artigos relacionados:
Biografia
Poemas: A Cidade ; Meu amor meu amor... ; Cantiga de Amigo

Ary dos Santos

José Carlos Ary dos Santos nasceu em Lisboa no dia 7 de Dezembro de 1937.
Aos catorze anos a sua família publicou-lhe alguns poemas (que ele próprio considerava maus).
Mas Ary revelaria verdadeiramente as suas qualidades poéticas em 1954, com dezasseis anos. É nessa altura que vê os seus poemas serem seleccionados para a Antologia do Prémio Almeida Garrett. E em 1963 dar-se-ia a sua estreia com a publicação do livro de poemas "A Liturgia do Sangue". Em 1969 iniciou-se nas actividades políticas, integrando a campanha da CDE e filiando-se mais tarde no Partido Comunista Português, participando de forma activa nas sessões de poesia do então intitulado "Canto Livre Perseguido". Foi principalmente através da sua poesia que contribuiu para a política nacional, numa altura em que a livre expressão havia sido anulada pela ditadura salazarista e em que urgia gritar pela liberdade, embora esse grito fosse, na maior parte das vezes, calado pelo regime.
Entretanto concorreu, sob pseudónimo, ao Festival da Canção da RTP com os poemas "Desfolhada" e "Tourada", obtendo os primeiros prémios. Foi, aliás, através da música que o poeta se tornou mais conhecido entre o grande público. O poema "Desfolhada", cantado por Simone de Oliveira, com música de Nuno Nazareth Fernandes, ganhou em 1969 o primeiro lugar do Concurso da Canção RTP. Também em 1972 o primeiro lugar pertenceu a Ary dos Santos e Nuno Nazareth Fernandes com "Menina", interpretado por Tonicha. No ano seguinte a vitória seria novamente de Ary dos Santos, desta vez em parceria com Fernando Tordo, com "Tourada" (uma rasteira à censura), interpretado por Fernando Tordo. Além destes êxitos, também o poema "Meu Amor, Meu Amor", escrito em 1968, com música de Alain Oulman e interpretação de Amália Rodrigues, obteve em 1971 o Grande Prémio da Canção Discográfica.
Autor de mais de seiscentos poemas para canções para os mais variados artistas entre os quais Amália Rodrigues, Carlos do Carmo, Fernando Tordo, José Afonso, Paulo de Carvalho e Simone de Oliveira, entre muitos outros, Ary dos Santos fez no meio muitos amigos. Gravou, ele próprio, textos ou poemas de e com muitos outros autores e intérpretes e ainda um duplo álbum contendo "O Sermão de Santo António aos Peixes" do Padre António Vieira. À data da sua morte tinha em preparação um livro de poemas intitulado "As Palavras das Cantigas", onde era seu propósito reunir os melhores poemas dos últimos quinze anos, e um outro intitulado "Estrada da Luz Rua da Saudade", que pretendia que fosse uma autobiografia romanceada.
Ary dos Santos faleceu em 1984. Nesse ano, logo após a sua morte, foi lançada a obra "VIII Sonetos de Ary dos Santos" de Manuel Gusmão no decorrer de uma sessão na Sociedade Portuguesa de Autores, da qual o autor era membro.
Ary dos Santos, para além de ter sido um grande criativo publicitário e um grande declamador, foi um dos mais talentosos poetas da sua geração, conhecido pela sua linguagem irreverente e ágil e que muito contribuiu para a viragem da música popular portuguesa. Como ele próprio dizia, a poesia era a maneira que ele tinha de falar com o povo porque ser poeta é escolher as palavras que o povo merece.

Recordamos com saudade:

“(...) Serei tudo o que disserem
Por temor ou negação:
Demagogo mau profeta
Falso médico ladrão
Prostituta proxeneta
Espoleta televisão.
Serei tudo o que disserem:
Poeta castrado não!”

1953 "Asas";
1963 "A Liturgia do Sangue";
1964 "Tempo da Lenda das Amendoeiras";
1965 "Adereços, Endereços";
1968 "Insofrimento In Sofrimento";
1970 "Fotos-Grafias"; "Ary por Si Próprio";
1973 "Resumo";
1974 "Poesia Política";
1975 "Llanto para Afonso Sastre y Todos"; "As Portas que Abril Abriu";
1977 "Bandeira Comunista";
1979 "Ary por Ary"; "O Sangue das Palavras";
1980 "Ary 80";
1983 "Vinte Anos de Poesia";
1984 "As Palavras das Cantigas"; "Estrada da Luz Rua da Saudade"

Teatro:
"Azul Existe" (1964);
"Os Macacões" (em colaboração com Augusto Sobral);
"O Caso da Mãozinha Misteriosa" (em colaboração com Augusto Sobral).

A Cidade




Um vídeo de Ana Morais com a interpretação de Diogo Santos (entre outros).
Um achado que eu encontrei no YouTube!


A Cidade

A cidade é um chão de palavras pisadas
a palavra criança a palavra segredo.
A cidade é um céu de palavras paradas
a palavra distância e a palavra medo.

A cidade é um saco um pulmão que respira
pela palavra água pela palavra brisa
A cidade é um poro um corpo que transpira
pela palavra sangue pela palavra ira.

A cidade tem praças de palavras abertas
como estátuas mandadas apear.
A cidade tem ruas de palavras desertas
como jardins mandados arrancar.

A palavra sarcasmo é uma rosa rubra.
A palavra silêncio é uma rosa chá.
Não há céu de palavras que a cidade não cubra
não há rua de sons que a palavra não corra
à procura da sombra de uma luz que não há.

José Carlos Ary dos Santos
Meu amor meu amor
meu corpo em movimento
minha voz à procura
do seu próprio lamento.

Meu limão de amargura meu punhal a crescer
nós parámos o tempo não sabemos morrer
e nascemos nascemos
do nosso entristecer.

Meu amor meu amor
meu pássaro cinzento
A chorar a lonjura do nosso afastamento

Meu amor meu amor
meu nó de sofrimento
minha mó de ternura
minha nau de tormento

Este mar não tem cura este céu não tem ar
nós parámos o vento não sabemos nadar
e morremos morremos
devagar devagar.


José Carlos Ary dos Santos

Na voz de Vítor de Sousa:

Cantiga de Amigo

Nem um poema nem um verso nem um canto
tudo raso de ausência tudo liso de espanto
e nem Camões, Virgílio, Shelley, Dante
o meu amigo está longe e a distância é bastante.
Nem um som nem um grito nem um ai
tudo calado todos sem mãe nem pai
Ah não Camões, Virgílio, Shelley, Dante!
o meu amigo está longe e a tristeza é bastante.
Nada a não ser este silêncio tenso
que faz do amor sozinho o amor imenso.
Calai Camões, Virgílio, Shelley, Dante:
meu amigo está longe e a saudade é bastante!

José Carlos Ary dos Santos


Na voz de Luís Gaspar:

terça-feira, 5 de dezembro de 2006

"Matéria de Poesia" em Coimbra







Hoje, 5 de Dezembro, pelas 18 horas, a Escola da Noite vai apresentar no Café-Teatro do Teatro Académico de Gil Vicente, “Matéria de Poesia” — espectáculo-recital construído a partir de poemas dos autores de língua portuguesa: Adélia Prado, Manoel de Barros, Carlos de Oliveira e Alexandre O’Neill.
As origens deste espectáculo — a 39ª produção d'A Escola da Noite — remontam à Oficina de Leitura de Poesia dinamizada pela companhia em parceria com o Instituto de Língua e Literatura Portuguesas da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra no passado mês de Março.
Mantendo o conjunto essencial dos poemas trabalhados com os alunos nessa ocasião, A Escola da Noite dá-lhes agora forma de espectáculo.
O destaque conferido aos poemas de Adélia Prado e Manoel de Barros, autores pouco divulgados em Portugal, proporciona ao espectador um percurso por passagens seleccionadas da poesia brasileira contemporânea.
"Matéria de Poesia" adopta um registo que experimenta os “deslimites da palavra” e as suas múltiplas inscrições no corpo e no espaço e que procura valorizar, pela voz dos actores, a sensibilidade e a subtileza da palavra escrita, mas também a dimensão lúdica que os autores associam, nos textos escolhidos, ao próprio acto de criação poética/artística.

Os poemas:
Colagem (Carlos de Oliveira)
Papel (Carlos de Oliveira)
Impressionista (Adélia Prado)
Anímico (Adélia Prado)
Antes do nome (Adélia Prado)
Grande Desejo (Adélia Prado)
Janela (Adélia Prado)
Dona Doida (Adélia Prado)
Sedução (Adélia Prado)
Matéria de Poesia (Manoel de Barros)
O Céu estrelado (Adélia Prado)
A Arte (Adélia Prado)
Na língua dos pássaros (Manoel de Barros)
Línguas (Manoel de Barros)
Introdução a um Caderno de Apontamentos (Manoel de Barros)
O Fotógrafo (Manoel de Barros)
A menina apareceu grávida de um gavião (Manoel de Barros)
Palavras (Manoel de Barros)
O Chapéu de Tchekov (Alexandre O’Neill)

Direcção: António Augusto Barros
Elenco: Carlos Marques, Maria João Robalo, Ricardo Correia, Sílvia Brito e Sofia Lobo
Produção: A Escola da Noite

O Teatro Académico Gil Vicente fica na Praça da República, em Coimbra.

Na estante de culto




Gabriela Mistral
(pseudónimo escolhido por Lucila de María del Perpetuo Socorro Godoy Alcayaga, numa homenagem aos seus poetas preferidos: Gabriele D'Annunzio e Frédéric Mistral) nasceu no Chile em 1889.
Poetisa, professora e diplomata, foi a primeira escritora latino-americana a ganhar o Prémio Nobel da Literatura, em 1945.

Ganhou nome como poetisa em 1914, depois de ter sido premiada nuns Jogos Florais pelos seus "Sonetos sobre a morte", inspirados no suicídio do noivo, facto que a marcaria para toda a vida. Nesses Jogos Florais apresentou-se com o pseudónimo que dali em diante a acompanharia para sempre.
Ao seu primeiro livro de poemas, Desolación (1922), seguiram-se Lecturas para Mujeres, (1923), Ternura, (1924), Nubes Blancas y Breve Descripción de Chile, (1934), Tala, (1938), Antología, (1941), Lagar, (1954) e Recados Contando a Chile, (1957), entre outros.
O Prémio Nobel transformou-a numa figura de destaque da literatura internacional e levou-a a viajar por todo o mundo (também viveu em Portugal) e representar o seu país em comissões culturais das Nações Unidas, até falecer em Nova York em 1957.

Antes desta “Antologia Poética” (organizada e traduzida por Fernando Pinto do Amaral), Gabriela Mistral ainda não tinha sido publicada em Portugal. A Editora Teorema veio assim preencher essa lacuna com este livro, que, nas palavras de Fernando Pinto do Amaral (e que subscrevo) nos mostra as palavras de Gabriela “muito perto das suas raízes terrestres, mas que parecem de vez em quando ganhar asas e voar ao longo do tempo e do espaço, projectando-se nessa dimensão aérea ou musical que corresponde, afinal, à essência disso a que, melhor ou pior, continuamos a chamar poesia.”


Montanhas Minhas

Em montanhas me criei,
mais de três dúzias se erguiam.
Parece que nunca, nunca,
embora escute os meus passos,
as perdi, nem quando é dia,
nem quando é noite estrelada,
e embora veja nas fontes
a cabeleira nevada,
não fugi nem me deixaram
como filha mal lembrada.

E embora sempre me chamem
uma ausente e renegada,
possuí-as e ainda as tenho,
persegue-me o seu olhar
ao longo da minha estrada.



Primeiro Soneto da Morte

Desse gelado nicho onde homens te puseram
hei-de tirar-te e pôr-te em terreno soalheiro.
Que nela hei-de dormir os homens não souberam
e havemos de sonhar no mesmo travesseiro.

Hei-de deitar-te então no terreno soalheiro
com a doçura da mãe prò filho adormecido,
e a terra há-de ser suave como um berço inteiro
ao receber-te o corpo de menino ferido.

Depois vou esfarelar a terra, o pó das rosas,
e ao luar, na poalha azulada e futura,
irão ficando presos os leves destroços.

Vou-me afastar cantando vinganças gloriosas,
porque nenhuma outra mão nessa fundura
poderá disputar-me o teu punhado de ossos!



“Antologia Poética”
Selecção, tradução e apresentação de Fernando Pinto do Amaral
Editorial Teorema
2002

Recomendo.

segunda-feira, 4 de dezembro de 2006

Boca – Palavras que alimentam









Recentemente criada, a “Boca” é uma editora de audiolivros (como há noutras línguas, mas que ainda não se tinha feito em Portugal, de raiz).
Segundo eles, a ideia de fazer livros falados vem de uma vontade de despertar para a leitura outros sentidos. Quando lemos em voz alta, despertamos a fala, os ouvidos e próprio texto, que ganha outras nuances, tonalidades.
Não quer a “Boca” com os audiolivros suplantar a leitura visual, mas resgatar esta forma de ler ouvindo, que pode dar ao leitor uma experiência completamente diferente do texto.
O site da “Boca” tem apenas uma semana, mas a editora já tinha sido legalmente criada em Janeiro. Estão a inaugurá-la agora com o primeiro título já produzido, “A Alegria de Gostar” — Poemas de Amor para Crianças, de Jairo Aníbal Niño.
Os audiolivros da “Boca” poderão ser comprados em formato mp3 no site deles, ou em CD nas livrarias.
O site fica aqui.
E o blogue, aqui.

domingo, 3 de dezembro de 2006

Hoje nasceu...





3 de Dezembro de 1871

Cândido Guerreiro

Poeta português



Artigos relacionados:
Poemas e Biografia

Cândido Guerreiro

Francisco Xavier Cândido Guerreiro nasceu em Alte no dia 3 de Dezembro de 1871.
Saiu de Alte com nove anos de idade, quando o seu pai foi nomeado Juiz de Paz em Estói, para onde foram viver. Frequentou a escola primária de S. Brás de Alportel e mais tarde entrou para o liceu de Faro onde não finalizou o curso, pois em 1889, os pais obrigaram-no a abandonar o liceu de Faro para se matricular no seminário Diocesano de Faro.
Em 1891 morreu o seu pai e Cândido Guerreiro, por não sentir vocação, abandonou o seminário e voltou para Alte com a sua mãe, (onde tinham uma pequena propriedade) para a casa da sua professora.
Em 1892 atingia a maioridade e, não tendo condições materiais para ficar em Alte, foi para Loulé. Foi escrivão do Juiz de Paz em Estói e presidente do posto meteorológico de Faro.
Em 1899 foi dirigir a Casa Pia de Beja. Teve um filho que também se distinguiu no mundo das letras: Cândido Xavier Guerreiro da Franca.
Em 1900 foi fiscal de impostos em Faro e, mais tarde, aconselhado pelo poeta João Lúcio, foi para Coimbra tirar o curso de Direito.
Em 1909 casou com Margarida Sousa Costa que conheceu em Coimbra.
Concluído o curso de Direito, em 1910 foi nomeado notário da Comarca de Loulé. Entre 1912 e 1918 presidiu à Comissão Administrativa da Comarca de Loulé.
Em 1921 foi nomeado adido da delegação de Portugal em Haia, mas não aceitou o cargo.
Em 1935, a Casa do Algarve convidou-o a publicar uma monografia e um cancioneiro sobre o Algarve, que também recusou.
Cândido Guerreiro faleceu em 1953, com 82 anos, deixando uma vasta obra literária. Cultivou todos os géneros poéticos mas foi, sobretudo, um mestre do soneto. É também considerado um grande paisagista literário com uma atitude particularmente dramática.



Incêndio

Daqui, desta falésia, cor de lava
Dum amarelo, rútilo e sangrento
Outrora debruçava-se um convento
Sobre a maré tumultuosa e brava…

E, à noite, quando no clamor do vento,
Ao largo, o temporal, se anunciava
E a voz das águas, soluçante e cava
Punha um trovão nas furnas, agoirento

Logo piedosamente, cada monge
Suspendia uma lâmpada à janela
E tangia a sineta para o coro…

E, no mar alto, o navegante, ao longe
Via um farol luzir em cada cela
E cada rocha a arder em sangue e ouro!

Cândido Guerreiro

sexta-feira, 1 de dezembro de 2006

Prémio Cervantes 2006




O poeta espanhol Antonio Gamoneda ganhou o Prémio Cervantes 2006 (o Nobel das letras de língua castelhana), concedido pelo Ministério da Cultura em reconhecimento do conjunto da obra de um escritor.

O prémio, no valor de 90.430 euros, foi atribuído por um júri presidido pelo director da Real Academia Espanhola, Victor Garcia de la Concha.

No grupo de favoritos para a atribuição deste prémio, para além de Antonio Gamoneda, estavam os seus compatriotas Juan Marsé, Juan Goytisolo e Ana María Matute, o uruguaio Mario Benedetti e o peruano Alfredo Bryce Echenique.

Antonio Gamoneda, de 75 anos, natural de Oviedo e uma das vozes mais singulares da poesia castelhana, vive em Leon onde dirige há muitos anos a Fundação Sierra-Pambley criada em 1887, e recebeu ao longo da sua vida vários galardões, incluindo o Prémio Nacional de Poesia (1988), o Prémio Castela e Leão das Letras e o Prémio Rainha Sofia de Poesia ibero-americana (2006).
Começou a publicar as suas obras em Espanha em 1960, com a colecção de poemas “Sublevacion inmovil” (1960). A esta obra seguiram-se “Descripcion de la mentira” (1977), “León de la mirada” (1979), “Blues Castellano” (1982), "Lápidas" (1987), “Edad” (1987) (Prémio Nacional de Poesia), “Libro del frio” (1992), e "Sólo Luz" (2000) entre outros. Também publicou estudos monográficos de escultores como "José Luis Sánchez" (1981) e "Júlio Hernández" (1981) e dos pintores "Francisco Echanz" (1978) e Juan Barjola" (1980).

O Prémio Cervantes foi instituído em 1974 com o propósito de distinguir uma obra literária completa, e na lista de poetas galardoados estão:
1976: Jorge Guillén (Espanha, 1893-1984)
1978: Dámaso Alonso (Espanha, 1898-1990)
1979: Jorge Luis Borges (Argentina, 1899-1986) em «ex aequo» com Gerardo Diego (Espanha, 1896-1987)
1981: Octavio Paz (México, 1914-1998)
1982: Luis Rosales (Espanha, 1910-1992)
1983: Rafael Alberti (Espanha, 1902-1999)
1992: Dulce María Loynaz (Cuba, 1903-1997)
1996: José García Nieto (Espanha, 1914-2001)
1998: José Hierro (Espanha, 1922-2002)
2003: Gonzalo Rojas (Chile, 1917)

O prémio será entregue pelo Rei de Espanha numa cerimónia solene que se realizará na Universidade de Alcalá de Henares, em Madrid, e que tem sempre lugar a 23 de Abril de cada ano, data da morte de Cervantes.

Na estante de Culto






Alguns dos mais conhecidos e mais belos poemas de Sylvia Plath, escritos entre 1960 e 1963, na sua maioria escritos nos últimos meses antes do seu suicídio.
Uma espécie de "crónica" do seu suplício, que foi publicada pela primeira vez em 1965 pela Faber & Faber (dois anos depois da sua morte), organizada por Ted Hughes.
Poemas destrutivos e desesperados, mas também ternos, inteligentes e irónicos, onde Sylvia mostra de forma categórica a maturidade do seu génio poético.


Ovelhas no nevoeiro

As colinas descem sobre a brancura.
Pessoas ou estrelas
Olham-me tristemente, desaponto-as.

O comboio deixa o traço da sua respiração.
Oh lento
Cavalo cor da ferrugem,

Cascos, guizos de dor —
Toda a manhã a
Manhã tem vindo a escurecer,

Uma flor posta de lado.
Os meus ossos ganham imobilidade. Campos
Distantes suavizam o meu coração.

Ameaçam
Deixar-me entrar para um paraíso
Onde não há estrelas, não há pais, secreta água.


“Ariel”
Sylvia Plath
Tradução de Fernanda Borges
Relógio D’Água
1996
Bilingue

Recomendo.

quarta-feira, 29 de novembro de 2006

Parabéns à Casa Fernando Pessoa






















A Casa Fernando Pessoa celebra amanhã, 30 de Novembro treze anos de existência. E convida-nos para o seu aniversário que terá o seguinte programa:
A partir das 14H30:
Exposição de manuscritos e objectos pessoais
Ofertas de aniversário (aos visitantes)
Distribuição de poemas
Música
Exposição “Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou”
[Kameraphoto]
A partir das 21H30:
Imagens
Filmes
Café literário & tertúlias
Visitas à Casa e ao Jardim
Autores lêem os seus textos:
Manuel António Pina, José Eduardo Agualusa, Pedro Mexia,
Luís Quintais, José Luís Peixoto, José Tolentino Mendonça

Traje informal. Será servida uma ceia.

terça-feira, 28 de novembro de 2006

Novidades Campo das Letras










"Discurso Amoroso"

Campo da Poesia
Maria Aurora Carvalho Homem
Desenhos de Francisco Simões











"A Palavra Passe"
Instantes de Leitura
António Ferra


E ainda...

"Das Sete Cidades"
Instantes de Leitura
António Mouginho

Palco aberto no Bar A Barraca




Mais logo, mais uma noite de Palco Aberto no bar A Barraca, a partir das 23 horas.
Todas as últimas terças-feiras de cada mês, o palco do bar A Barraca está aberto a quem quiser declamar, ler, dizer, urrar poemas, versos, obras épicas, recadinhos de amor, enfim... sem censura!
O Bar A Barraca fica no Largo de Santos, nº2, em Lisboa.

Na estante de Culto







Else Lasker- Schüller
, uma grande poetisa lírica, foi também um expoente do movimento expressionista alemão e uma judia publicamente assumida.
Conviveu com Franz Werfel, Franz Marc, Oscar Kokoschka, Georg Trakl e Karl Kraus (entre outros) nos cafés de Berlim, o segundo lar de muitos jovens artistas e intelectuais berlinenses da época, tendo sido distinguida pela sua obra em 1932, com o prestigiado “Kleist Prize”.
Em 1933 foi para a Suíça, fugindo ao nazismo, de que também foi vítima. Fixou-se mais tarde na Palestina, onde viveu na miséria até à morte.
Else conhecia a magia das palavras e criou uma poética profética, conjurando nos seus versos um mundo melhor e mais belo, embelezando o mundo com a magia da sua fantasia, tentando torná-lo luminoso e sereno, como nestas “Baladas Hebraicas”, recriações livres de figuras bíblicas.
Morreu em Jerusalém em 1945 e foi sepultada no Monte das Oliveiras. Não chegou assim, a assistir ao nascimento da nação de Israel.














Ester

Ester é esbelta como a palmeira brava,
Os pés de trigo têm o cheiro dos seus lábios,
E os dias de festa que em Judá se celebram.

De noite, o seu coração repousa sobre um salmo,
Os ídolos escutam nas salas do palácio.

O rei sorri se vai ao seu encontro —
O olhar de Deus está sempre posto em Ester.

Os judeus jovens fazem canções à irmã,
Gravam-na nas colunas da sua antecâmara.


O meu povo

Apodrece o rochedo
De onde provenho
E ao sol entoo os meus cânticos sagrados...
Subitamente, precipito-me do caminho
E águas murmuram em mim
Na distância, só, sobre pedras de lamentação,
Em direcção ao mar.

Jorrei-me para tão longe
Do mosto mal fermentado
Do meu sangue.
E sempre e ainda o eco
Dentro de mim,
Quando, voltados para Oriente,
Os ossos do rochedo apodrecido,
O meu povo,
Lançam um grito terrível para Deus.


Rute

E tu vens procurar-me junto às sebes.
Oiço o soluçar dos teus passos
E os meus olhos são pesadas gotas escuras.

Na minha alma nascem as flores doces
Do teu olhar e ele enche-se
Quando os meus olhos se exilam para o sono.

Na minha terra,
Junto ao poço, está um anjo:
Canta a canção do meu amor,
Canta a canção de Rute.


“Baladas Hebraicas”
Else Lasker-Schüller
Tradução e apresentação de João Barrento
Assírio & Alvim (Colecção Documenta Poética)
2002

Bilingue

Edição facsimilidada que reproduz a edição publicada em 1986 pela Deutsche Schillergesellschaft Marbach a partir do manuscrito original conservado no Deutsches Literaturarchiv.

É claro que recomendo.

segunda-feira, 27 de novembro de 2006

15 desatinónimos de Fernando Pessoa



Luís Graça
acaba de inaugurar o seu blogue com contos sobre Fernando Pessoa.
Convido-vos a uma leitura com diversão, de contos escritos com paixão. A paixão que Luís Graça nutre por Fernando Pessoa aliada ao seu já tão reconhecido sentido de humor.
Em vez de um Pessoa cinzento, a que muitos sempre nos quiseram habituar, Luís Graça (neste caso, Von Grazen) apresenta-nos assim um Pessoa divertido, sarcástico, um Pessoa que se passeia pelo mundo de hoje, em fantasma, nos seus heterónimos "desatinados" que assim fizeram nascer o nome "15 desatinónimos de Fernando Pessoa".
Abram as vossas mentes para ler estes 15 contos. Se os lerem de mente aberta verão que são uma delícia. E que se irão divertir pelas viagens do "Nandinho". Uma lufada de ar fresco e de cor neste mundo tão cinzento que é o nosso.
O blogue fica aqui.

domingo, 26 de novembro de 2006

Morreu Mário Cesariny

A manhã acordou triste. Morreu esta madrugada o grande poeta e pintor Mário Cesariny de Vasconcelos, com 83 anos.
O corpo deverá seguir para a Igreja de Santo Condestável e o funeral realizar-se-á segunda-feira às 14 horas.

















TODOS POR UM

A manhã está tão triste
que os poetas românticos de Lisboa
morreram todos com certeza

Santos
Mártires
e Heróis

Que mau tempo estará a fazer no Porto?
Manhã triste, pela certa.

Oxalá que os poetas românticos do Porto
sejam compreensivos a pontos de deixarem
uma nesgazinha de cemitério florido
que é para os poetas românticos de Lisboa não terem de
recorrer à vala comum.

Mário Cesariny

A "Musa ao Espelho” na Casa Fernando Pessoa








Se a melodia é a suprema invenção do homem
e a poesia uma longa meditação

entre o som e o sentido, a Musa é

o espelho de todas as magias.


A "Musa ao Espelho" apresentará amanhã, segunda-feira, um espectáculo intenso e eclético com leitura de poemas originais.
Os poemas interpretados por José Carlos Tinoco serão acompanhados por Juca Rocha (piano); Ianina Khmelik (violino); Vanessa Pires (violoncelo); Fátima Santos (acordeão).
Os temas compostos para cada um dos poemas acentuam a ambiência do texto, transportando o espectador através de uma viagem imaginária, visitando diferentes espaços físicos e emocionais.
A poesia e a prosa poética que integram este espectáculo, foram propositadamente escritas para a "Musa ao Espelho", à excepção do poema Recusa de António Maria Lisboa, para uma antologia, Pathos (livro+CD+DVD), que em Lisboa terá estreia ao vivo na Casa Fernando Pessoa: amanhã, dia 27 de Novembro pelas 21h30.
Os dois últimos suportes serão o resultado da gravação ao vivo no dia 24 de Julho na Casa da Música.
A Casa Fernando Pessoa, já sabem... fica na Rua Coelho da Rocha, 16, em Lisboa.

Ficha Artística
Elementos do Grupo:
José Carlos Tinoco – Voz
Juca Rocha – Piano
Ianina Khmelik – Violino
Vanessa Pires – Violoncelo
Fátima Santos – Acordeão

Ficha Técnica
Pré – Produção – Carlos Bartilotti
Pré – Produção de temas – José Carlos Tinoco
Produção – A Musa ao Espelho / Quico Serrano
Mistura – Quico Serrano
Masterização (estúdio) – Quico Serrano
Equipa Técnica – Bartilotti Produções
Produção Executiva – Carlos Bartilott

Na estante de culto

"o texto. texto superfície. inerte. superfície que o papel sustenta. material à superfície. e se percorre de gestos minúsculos. e de olhos. num ritmo regular. leitura escrita. ou os grupos de sinais animados. em silêncio. um fluxo. logo uma torrente. se agrupam. se montam. se desfazem em sequências. linhas. frases. em fragmentos. difundindo. alastrando em várias direcções."


















"Corpos radiantes"

E. M. de Melo e Castro

Edição & etc

(1982)
Capa de Carlos Ferreiro

um livro. trangressor. um poeta que interroga o silêncio. e o significado das palavras. e recria as palavras. um livro sobre a fantasmática do verbo. um livro sobre o papel das palavras. escrito com as nossas palavras. recomendo.

sexta-feira, 24 de novembro de 2006

Faz hoje 100 anos que nasceu...






















António Gedeão

Poeta português

Nasceu em 24 de Novembro de 1906


Artigos relacionados:
Biografia
Poemas: Amor sem tréguas ; Dez reis de esperança ; Pedra Filosofal ; Máquina do Mundo ; A um ti que eu inventei ; Calçada de Carriche

António Gedeão

António Gedeão, (Rómulo Vasco da Gama de Carvalho), nasceu em Lisboa em 24 de Novembro de 1906. Criança precoce, aos 5 anos escreveu os seus primeiros poemas e aos 10 decidiu completar "Os Lusíadas" de Camões. A par desta inclinação para as letras, ao entrar para o liceu Gil Vicente tomou contacto com as ciências e foi aí que despertou nele um novo interesse.
Em 1931 licenciou-se em Ciências Físico-Químicas pela Faculdade de Ciências da Universidade do Porto e em 1932 concluiu o curso de Ciências Pedagógicas na Faculdade de Letras do Porto, prenunciando assim qual seria a sua actividade principal durante 40 anos: professor e pedagogo.
Exigente e comunicador por excelência, para Rómulo de Carvalho ensinar era uma paixão e uma dedicação. E assim, além da colaboração como co-director da "Gazeta de Física" a partir de 1946, concentrou durante muitos anos os seus esforços no ensino dedicando-se, inclusivé, à elaboração de compêndios escolares, inovadores pelo grafismo e pela forma de abordar matérias tão complexas como a física e a química. Dedicação estendida, a partir de 1952, à difusão científica a um nível mais amplo através da colecção "Ciência Para Gente Nova" e muitos outros títulos, entre os quais "Física para o Povo", cujas edições acompanham os leigos interessados pela ciência até meados da década de 1970.
Apesar da intensa actividade científica, Rómulo de Carvalho nunca esqueceu a arte das palavras e continuou sempre a escrever poesia. Porém, não a considerando de qualidade e pensando que nunca seria útil a ninguém, nunca tentou publicá-la, preferindo destruí-la. Só em 1956, após ter participado num concurso de poesia de que tomou conhecimento no jornal, publicou, aos 50 anos, o primeiro livro de poemas "Movimento Perpétuo" com o pseudónimo António Gedeão. Continuou depois a publicar poesia, aventurando-se anos mais tarde no teatro, no ensaio e na ficção.
Nos seus poemas existe uma simbiose perfeita entre a ciência e a poesia, a vida e o sonho, a lucidez e a esperança. Aí reside a sua originalidade, difícil de catalogar, originada por uma vida em que sempre coexistiram esses dois interesses distintos.
A poesia de Gedeão, tão comunicativa, marca toda uma geração que, reprimida por um regime ditatorial e atormentada por uma guerra cujo fim não se adivinhava, se sentia profundamente tocada pelos valores expressos pelo poeta e assim se atrevia a acreditar que, através do sonho, era possível encontrar o caminho para a liberdade. É deste modo que "Pedra Filosofal", musicada por Manuel Freire, se torna num hino à liberdade e ao sonho. Mais tarde, em 1972, José Nisa compõe doze músicas com base em poemas de Gedeão e produz o álbum "Fala do Homem Nascido".
Nos anos seguintes dedicou-se por inteiro à investigação, publicando numerosos livros, tanto de divulgação científica, como de história da ciência. Gedeão também continuou a sonhar, mas o fim aproximava-se e o desejo de morrer determinou, em 1984, a publicação de "Poemas Póstumos".
Em 1990, já com 83 anos, Rómulo de Carvalho assumiu a direcção do Museu Maynense da Academia das Ciências de Lisboa, sete anos depois de se ter tornado sócio correspondente da Academia de Ciências, função que desempenharia até ao fim dos seus dias.
Quando completou 90 anos de idade, a sua vida foi alvo de uma homenagem a nível nacional. O professor, investigador, pedagogo e historiador da ciência, bem como o poeta, foi reconhecido publicamente por personalidades da política, da ciência, das letras e da música. O grande poeta António Gedeão faleceu em 1997.

Obra Literária:
Poesia: "Movimento Perpétuo", 1956; "Teatro do Mundo", 1958; "Declaração de Amor", 1959; "Máquina de Fogo", 1961; "Poesias Completas", 1964; "Linhas de Força", 1967; "Soneto", 1980; "Poema para Galileu", 1982; "Poemas Póstumos", 1984; "Poemas dos textos", 1985; "Novos Poemas Póstumos", 1990
Ficção: "A poltrona e outras novelas", 1973
Teatro: "RTX 78/24", 1978; "História Breve da Lua", 1981
Ensaio: "O Sentimento Científico em Bocage", 1965; "Ay Flores, Ay flores do verde pino", 1975
Obra Científica: "Ciência Hermética", 1947; "Embalsamento Egípcio", 1948; "Compêndio de Química para o 3º Ciclo", 1953; "Sr. Tompkins explora o átomo", 1956; "Guias de trabalhos práticos de Química" [3º Ciclo], 1957; "Que é a física?", 1959; "Problemas de Física para o 3º Ciclo do Ensino Liceal", I volume, 1959; "A Física para o Povo", 1968; "Ciências da Natureza",1974; "Aditamento ao guia de trabalhos práticos de Química", 1975; "A Descoberta do Mundo da Física", 1979; "A Experiência Científica", 1979; "A Natureza Corpuscular da Matéria", 1979; "Moléculas, Átomos e Iões", 1979; "A Energia", 1980; "A Estrutura Cristalina", 1980; "As Forças", 1980; "As Reacções Químicas", 1980; "O Peso e a Massa", 1980; "A Composição do Ar", 1982; "A Electricidade Estática", 1982; "A Pressão Atmosférica", 1982; "A Corrente Eléctrica", 1983; "A Electrónica", 1983; "Magnetismo e Electromagnetismo", 1983; "A Energia Radiante", 1985; "A Radioactividade", 1985; "Ondas e Corpúsculos",1985
Investigação histórica: "História da Fundação do Colégio Real dos Nobres de Lisboa [1765 1772]", 1959; "História do gabinete de Física da Universidade de Coimbra [1772 1790] desde a sua fundação em 1772 até ao Jubileu do Prof. Giovani António Dalla Bella", 1978; "Relações entre Portugal e a Rússia no Século XVIII", 1979; "A Actividade Pedagógica da Academia das Ciências da Lisboa nos Séculos XVIII e XIX", 1981; "A Física Experimental em Portugal no Século XVIII", 1982; "A Astronomia em Portugal no Século XVIII", 1985; "História do Ensino em Portugal, desde a fundação da nacionalidade até ao fim do regime de Salazar Caetano", 1986; "O Texto Poético Como Documento Social", 1994.

Amor sem tréguas

É necessário amar,
qualquer coisa ou alguém;
o que interessa é gostar
não importa de quem.

Não importa de quem,
não importa de quê;
o que interessa é amar
mesmo o que não se vê.

Pode ser uma mulher,
uma pedra, uma flor,
uma coisa qualquer,
seja lá o que for.

Pode até nem ser nada
que em ser se concretize,
coisa apenas pensada,
que a sonhar se precise.

Amar por claridade,
sem dever a cumprir;
uma oportunidade
para olhar e sorrir.

Amar como um homem forte
só ele o sabe e pode-o;
amar até à morte,
amar até ao ódio.

Que o ódio, infelizmente,
quando o clima é de horror,
é forma inteligente
de se morrer de amor.

António Gedeão

Dez reis de esperança

Se não fosse esta certeza
que nem sei de onde me vem,
não comia, nem bebia,
nem falava com ninguém.
Acocorava-me a um canto,
no mais escuro que houvesse,
punha os joelhos à boca
e viesse o que viesse.
Não fossem os olhos grandes
do ingénuo adolescente,
a chuva das penas brancas
a cair impertinente,
aquele incógnito rosto,
pintado em tons de aguarela,
que sonha no frio encosto
da vidraça da janela,
não fosse a imensa piedade
dos homens que não cresceram,
que ouviram, viram, ouviram,
viram, e não perceberam,
essas máscaras selectas,
antologia do espanto,
flores sem caule, flutuando
no pranto do desencanto,
se não fosse a fome e a sede
dessa humanidade exangue,

roía as unhas e os dedos
até os fazer em sangue.

António Gedeão

Pedra Filosofal

Eles não sabem que o sonho
é uma constante da vida
tão concreta e definida
como outra coisa qualquer,
como esta pedra cinzenta
em que me sento e descanso,
como este ribeiro manso,
em serenos sobressaltos
como estes pinheiros altos
que em verde e ouro se agitam
como estas aves que gritam
em bebedeiras de azul.

Eles não sabem que o sonho
é vinho, é espuma, é fermento,
bichinho alacre e sedento
de focinho pontiagudo,
que fossa através de tudo
num perpétuo movimento.

Eles não sabem que o sonho
é tela, é cor, é pincel,
base, fuste, capitel,
arco em ogiva, vitral,
pináculo de catedral,
contraponto, sinfonia,
máscara grega, magia,
que é retorta de alquimista,
mapa do mundo distante,
rosa dos ventos, Infante,
caravela quinhentista,
que é Cabo da Boa Esperança,
ouro, canela, marfim,
florete de espadachim,
bastidor, passo de dança,
Colombina e Arlequim,
passarola voadora,
pára-raios, locomotiva,
barco de proa festiva,
alto-forno, geradora,
cisão do átomo, radar,
ultra-som televisão
desembarque em foguetão
na superfície lunar.

Eles não sabem, nem sonham,
que o sonho comanda a vida.
Que sempre que um homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre a mãos de uma criança.

António Gedeão


Na voz de Luís Gaspar:

Máquina do Mundo

O Universo é feito essencialmente de coisa nenhuma.
Intervalos, distâncias, buracos, porosidade etérea.
Espaço vazio, em suma.
O resto, é a matéria.
Daí, que este arrepio,
este chamá-lo e tê-lo, erguê-lo e defrontá-lo,
esta fresta de nada aberta no vazio,
deve ser um intervalo.

António Gedeão


Na voz de Luís Gaspar:






















Do espólio da Biblioteca Nacional

A um ti que eu inventei

Pensar em ti é coisa delicada.
É um diluir de tinta espessa e farta
e o passá-la em finíssima aguada
com um pincel de marta.

Um pesar grãos de nada em mínima balança,
um armar de arames cauteloso e atento,
um proteger a chama contra o vento,
pentear cabelinhos de criança.

Um desembaraçar de linhas de costura,
um correr sobre lã que ninguém saiba e oiça,
um planar de gaivota como um lábio a sorrir.

Penso em ti com tamanha ternura
como se fosses vidro ou película de loiça
que apenas com o pensar te pudesses partir.

António Gedeão


Na voz de Luís Gaspar:

Calçada de Carriche

Luísa sobe,
sobe a calçada,
sobe e não pode
que vai cansada.
Sobe, Luísa,
Luísa sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Saiu de casa
de madrugada;
regressa a casa
é já noite fechada.
Na mão grosseira,
de pele queimada,
leva a lancheira
desengonçada.
Anda Luísa,
Luísa sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Luísa é nova,
desenxovalhada,
tem perna gorda,
bem torneada.
Ferve-lhe o sangue
de afogueada;
saltam-lhe os peitos
na caminhada.
Anda Luísa,
Luísa sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Passam magalas,
rapaziada,
palpam-lhe as coxas,
não dá por nada.
Anda Luísa,
Luísa sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Chegou a casa
não disse nada.
Pegou na filha,
deu-lhe a mamada;
bebeu da sopa
numa golada;
lavou a loiça,
varreu a escada;
deu jeito à casa
desarranjada;
coseu a roupa
já remendada;
despiu-se à pressa,
desinteressada;
caiu na cama
de uma assentada;
chegou o homem,
viu-a deitada;
serviu-se dela,
não deu por nada.
Anda Luísa,
Luísa sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Na manhã débil,
sem alvorada,
salta da cama,
desembestada;
puxa da filha,
dá-lhe a mamada;
veste-se à pressa,
desengonçada;
anda, ciranda,
desaustinada;
range o soalho
a cada passada;
salta para a rua,
corre açodada,
galga o passeio,
desce a calçada,
chega à oficina
à hora marcada,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga;
toca a sineta
na hora aprazada,
corre à cantina,
volta à toada,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga.
Regressa a casa
é já noite fechada.
Luísa arqueja
pela calçada.
Anda Luísa,
Luísa sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada,
sobe que sobe,
sobe a calçada,
sobe que sobe,
sobe a calçada.
Anda Luísa,
Luísa sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

António Gedeão


Na voz de Luís Gaspar:

quarta-feira, 22 de novembro de 2006

O pequeno enorme gesto da amizade

Pó de piano

na oxidação das horas brancas
solidifica-se o enfiamento dos dias
como linhas que sustentam no ar
os corpos húmidos das coisas que em sonhos tomam poses de voo

movidos pelo egoísmo
os fantasmas cristalizam-se, descendo dos tectos,
sentando-se em cima dos móveis
para que os corpos obtenham o peso consumível das coisas

coberto pelo lençol
o líquido enviusado desaparece
e a nascente dos sonhos com que alimentávamos o passado
toma o sentido correcto das coisas
ao transformar-se na película de pó, no último piano
em que nos deitarmos

Carlos Vaz


Poema inserido na antologia poética "Afectos" (da Editora Labirinto), um pequeno livro de bolso que reúne poemas e fotografias de treze autores contemporâneos, interseccionando ao longo de 28 páginas "diferentes sensibilidades de um diálogo poético, tão mais rico quanto o facto de nos convocar para o acto de amar o pequeno enorme gesto da amizade".


Diálogos atlânticos na Casa Fernando Pessoa






Hoje, 22 de Novembro, na Casa Fernando Pessoa, pelas 18h30, "Diálogos atlânticos: poesia portuguesa e brasileira dos últimos 10 anos"

Apresentação a cargo de Luis Maffei e António Carlos Cortez.

Luis Maffei, poeta, lançou o seu livro de estreia, "A", em 2006.
É bacharel em Letras pela UFRJ, a mesma instituição pela qual é mestre em Literatura Portuguesa – tendo defendido a Dissertação de Mestrado Do mundo, de Herberto Helder – e onde também realizou o seu Doutoramento, que se dedica ao todo da poesia herbertiana. Ainda na Faculdade de Letras da UFRJ, leccionou Literatura Portuguesa em 2004 e 2005. É ensaísta literário e tem trabalhos publicados nas revistas Camoniana e Metamorfoses.
É também compositor e músico, tendo lançado, em 2005, o disco Na Mesma Situação de Blake, em parceria com Marcelo Gargaglione.

António Carlos Cortez é licenciado em Estudos Portugueses pela FCSH da Universidade Nova de Lisboa. Publicou três livros de poesia e um livro de crítica e pedagogia literárias: "Ritos de Passagem" (1999), "Um Barco no Rio" (2002), "A Sombra no Limite" (2004), e "Nos Passos da Poesia" (2005). Colabora actualmente no Jornal de Letras, como crítico de poesia, e publicou ensaios sobre literatura em revistas da especialidade: Relâmpago, Colóquio/Letras e Mea Libra.

segunda-feira, 20 de novembro de 2006

Novidades Assírio & Alvim







“A Moeda do Tempo”

Poesia
Gastão Cruz








“Antes que o Rio Seque”
Poesia
António Manuel Pires Cabral



E ainda:
“Poesia do Eu”
Poesia
Fernando Pessoa
Edição de Richard Zenith

sexta-feira, 17 de novembro de 2006

Ainda a propósito de Judith Teixeira






Não percam o programa "Palavras de Ouro" desta semana do audioblog "Estúdio Raposa".
É totalmente dedicado a Judith Teixeira.
Podemos ouvir uma pequena biografia de Judith e também ouvir os poemas dela pela voz inconfundível de Luís Gaspar.
Uma pequena maravilha!...

O "Estúdio Raposa" do Luís Gaspar fica aqui.

National Book Awards




Nathaniel Mackey, escritor, poeta, crítico literário e jornalista, levou para casa no passado dia 15 de Novembro o troféu de Melhor Poesia do National Book Awards pelo livro Splay Anthem (New Directions).
Para além desta obra de Nathaniel Mackey, concorreram na categoria de Poesia, "Averno", de Louise Gluck, "Chromatic", de H.L. Hix, "Angle of Yaw", de Ben Lerner e "Capacity", de James McMichael.
Os finalistas para a edição 2006 do prémio foram escolhidos entre o número recorde de 1.259 obras propostas por editores nas categorias ficção, não-ficção, poesia e literatura juvenil.

Prémio Literário António Paulouro





O escritor e poeta Carlos Vaz, da editora Labirinto, Prémio Nacional de Literatura Vergílio Ferreira (2005), foi agraciado com o Prémio Literário António Paulouro, pela obra Capricho 43. Segundo o autor, "esta é uma história de viagem pelo rio do esquecimento, num estranho e pesado tanque de cimento com uma também estranha tripulação: Goya e os seus Caprichos, Isaac Newton e as suas experiências pensadas, e o estranho homem-que-separa-as-águas com a sua Mãe..."

O prémio de 7000 euros foi atribuído a duas obras de autores em ascensão na literatura portuguesa.

O Prémio Literário António Paulouro (que deve o seu nome ao jornalista fundador do Jornal do Fundão) foi anteriormente atribuído aos escritores Rui Herbon e Ondjaki.

Para quem ainda não o visitou, o blogue de Carlos Vaz fica aqui.

quinta-feira, 16 de novembro de 2006

Poema à boca fechada

Não direi:
Que o silêncio me sufoca e amordaça.
Calado estou, calado ficarei,
Pois que a língua que falo é de outra raça.

Palavras consumidas se acumulam,
Se represam, cisterna de águas mortas,
Ácidas mágoas em limos transformadas,
Vaza de fundo em que há raízes tortas.

Não direi:
Que nem sequer o esforço de as dizer merecem,
Palavras que não digam quanto sei
Neste retiro em que me não conhecem.

Nem só lodos se arrastam, nem só lamas,
Nem só animais boiam, mortos, medos,
Túrgidos frutos em cachos se entrelaçam
No negro poço de onde sobem dedos.

Só direi,
Crispadamente recolhido e mudo,
Que quem se cala quando me calei
Não poderá morrer sem dizer tudo.

José Saramago

Interpretado pela Andante:

Voz: Cristina Paiva; Música: Eleni Karaindrou; Sonoplastia: Fernando Ladeira

José Saramago

José Saramago nasceu na Azinhaga, concelho da Golegã, em 16 de Novembro de 1922.
Trabalhou como jornalista em vários jornais, entre eles o Diário de Lisboa, de que foi director, tendo também colaborado como crítico literário na Revista "Seara Nova". Pertenceu à primeira Direcção da Associação Portuguesa de Escritores.
Desde 1976 que vive exclusivamente do seu trabalho literário.
Fixou-se definitivamente na ilha de Lanzarote, arquipélago das Canárias. É um dos escritores portugueses mais lidos e traduzidos no estrangeiro. Em 1991 ganhou o Grande Prémio APE, com o romance "O Evangelho Segundo Jesus Cristo", em 1985 foi condecorado como Comendador da Ordem Militar de Santiago de Espada, em Portugal, em 1991 foi condecorado como Cavaleiro da Ordem das Artes e das Letras Francesas, em França, e em 1996 foi-lhe atribuído o Prémio Camões por toda a sua obra.
Em 1998 foi galardoado com o Prémio Nobel da Literatura.
Obras: "Terra do Pecado" (romance, 1947; 2ª ed. 1997), "Os Poemas Possíveis" (poesia, 1966), "Provavelmente Alegria" (1970), "Deste Mundo e do Outro" (1971), "A Bagagem do Viajante" (1973), "As Opiniões que o DL teve" (1974), "O Ano de 1993" (1975), "Os Apontamentos" (1976), "Manual de Pintura e Caligrafia" (1977), "Objecto Quase" (1978), "Poética dos Cinco Sentidos" (1979), "A Noite" (teatro, 1979), "Levantado do Chão" (1980); "Que Farei com este Livro?" (teatro, 1980), "Viagem a Portugal" (1981), "Memorial do Convento" (romance, 1982), "O Ano da Morte de Ricardo Reis" (romance, 1984), "A Jangada de Pedra" (romance, 1986), "A Segunda Vida de Francisco de Assis" (1987), "História do Cerco de Lisboa" (romance, 1989), "O Evangelho Segundo Jesus Cristo" (romance, 1991), "In Nomine Dei" (teatro, 1993), "Cadernos de Lanzarote" (1994, diário I), "Cadernos de Lanzarote" (1995, diário II), "Ensaio sobre a Cegueira" (1995), "Cadernos de Lanzarote" (1996, diário III), "Cadernos de Lanzarote" (1997, diário IV), "Todos os Nomes" (1997), "Cadernos de Lanzarote" (1998, diário V), "A Caverna" (2000), "A Maior Flor do Mundo" (infantil/juvenil, 2001, com ilustrações de João Caetano), "O Homem Duplicado (ficção, 2002), "Ensaio sobre a Lucidez" (ficção, 2004), "Don Giovanni ou O dissoluto absolvido" (teatro, 2005), "As Intermitências da Morte" (romance, 2005), "As pequenas Memórias" (memórias, 2006).

Hoje nasceu...





16 de Novembro de 1922


José Saramago

Escritor português



Artigos relacionados:
Biografia
Poemas: Poema à boca fechada

quarta-feira, 15 de novembro de 2006

Poesia em Telheiras

Amanhã, 16 de Novembro, "Poesia da Lusofonia" por Elsa Noronha, na sede da ART - Associação de Residentes de Telheiras, das 21h30 às 23h.
O público presente pode trazer poemas para dizer.
A sede da ART fica na Rua Professor Mário Chicó, nº 5, em Telheiras.

terça-feira, 14 de novembro de 2006

Poemas em voz alta

Dobrada à moda do Porto


Um dia, num restaurante, fora do espaço e do tempo,
Serviram-me o amor como dobrada fria.
Disse delicadamente ao missionário da cozinha
Que a preferia quente,
Que a dobrada (e era à moda do Porto) nunca se come fria.

Impacientaram-se comigo.
Nunca se pode ter razão, nem num restaurante.
Não comi, não pedi outra coisa, paguei a conta,
E vim passear para toda a rua.

Quem sabe o que isto quer dizer?
Eu não sei, e foi comigo...

(Sei muito bem que na infância de toda a gente houve um jardim,
Particular ou público, ou do vizinho.
Sei muito bem que brincarmos era o dono dele.
E que a tristeza é de hoje).

Sei isso muitas vezes,
Mas, se eu pedi amor, porque é que me trouxeram
Dobrada à moda do Porto fria?
Não é prato que se possa comer frio,
Mas trouxeram-mo frio.
Não me queixei, mas estava frio,
Nunca se pode comer frio, mas veio frio.

Álvaro de Campos


Na voz de Luís Gaspar: