sexta-feira, 18 de junho de 2010

O Ano da Morte de José Saramago

Uma notícia triste: morreu hoje, 18 de Junho de 2010, pelas 12H30, o escritor e poeta José Saramago, na sua residência de Lanzarote, aos 87 anos de idade.

José Saramago nasceu na Azinhaga, concelho da Golegã, no dia 16 de Novembro de 1922. Trabalhou como jornalista em vários jornais, entre eles o Diário de Lisboa, de que foi director, tendo também colaborado como crítico literário na Revista "Seara Nova". Pertenceu à primeira Direcção da Associação Portuguesa de Escritores.
Desde 1976 que vivia exclusivamente do seu trabalho literário.
É um dos escritores portugueses mais lidos e traduzidos em todo o mundo.
Em 1991 ganhou o Grande Prémio APE, com o romance "O Evangelho Segundo Jesus Cristo", em 1985 foi condecorado como Comendador da Ordem Militar de Santiago de Espada, em Portugal, em 1991 foi condecorado como Cavaleiro da Ordem das Artes e das Letras Francesas, em França, e em 1996 foi-lhe atribuído o Prémio Camões por toda a sua obra.
Em 1998 ganhou o Prémio Nobel da Literatura.
O seu livro Ensaio Sobre a Cegueira foi adaptado para o cinema em 2008, dirigido por Fernando Meirelles.
Escolheu o exílio na ilha de Lanzarote, arquipélago das Canárias, em 1993, depois de ter sido impedido pelo Governo português, em 1991, de concorrer a um prémio literário europeu com o livro "O Evangelho Segundo Jesus Cristo.
José Saramago foi um escritor de dimensão universal, um cidadão empenhado, um lutador. Deixa uma obra extensa: "Terra do Pecado" (romance, 1947; 2ª ed. 1997), "Os Poemas Possíveis" (poesia, 1966), "Provavelmente Alegria" (poesia, 1970), "Deste Mundo e do Outro" (crónicas, 1971), "A Bagagem do Viajante" (crónicas, 1973), "As Opiniões que o DL teve" (crónicas, 1974), "O Ano de 1993" (1975), "Os Apontamentos" (crónicas, 1976), "Manual de Pintura e Caligrafia" (romance, 1977), "Objecto Quase" (conto, 1978), "Poética dos Cinco Sentidos" (ensaio, 1979), "A Noite" (teatro, 1979), "Levantado do Chão" (romance, 1980); "Que Farei com Este Livro?" (teatro, 1980), "Viagem a Portugal" (viagens, 1980), "Memorial do Convento" (romance, 1982), "O Ano da Morte de Ricardo Reis" (romance, 1984), "A Jangada de Pedra" (romance, 1986), "A Segunda Vida de Francisco de Assis" (teatro, 1987), "História do Cerco de Lisboa" (romance, 1989), "O Evangelho Segundo Jesus Cristo" (romance, 1991), "In Nomine Dei" (teatro, 1993), "Cadernos de Lanzarote" (1994, diário I), "Cadernos de Lanzarote" (1995, diário II), "Ensaio sobre a Cegueira" (1995), "Cadernos de Lanzarote" (1996, diário III), "Cadernos de Lanzarote" (1997, diário IV), "Todos os Nomes" (romance, 1997), "Cadernos de Lanzarote" (1998, diário V), "O Conto da Ilha Desconhecida" (1998), "Discursos de Estocolmo" (1999), "Folhas Políticas (1976-1998)" (1999), "A Caverna" (romance, 2000), "A Maior Flor do Mundo" (conto, 2001), "O Homem Duplicado" (romance, 200), "Ensaio Sobre a Lucidez" (romance, 2004), "Don Giovanni ou o Dissoluto Absolvido" (teatro, 2005), "Poesia Completa" (poesia, 2005), "As Intermitências da Morte", (romance, 2005), "As Pequenas Memórias" (2006), "A Viagem do Elefante" (romance, 2008), "Caim" (romance, 2009).


Poema à boca fechada

Não direi:
Que o silêncio me sufoca e amordaça.
Calado estou, calado ficarei,
Pois que a língua que falo é de outra raça.

Palavras consumidas se acumulam,
Se represam, cisterna de águas mortas,
Ácidas mágoas em limos transformadas,
Vaza de fundo em que há raízes tortas.

Não direi:
Que nem sequer o esforço de as dizer merecem,
Palavras que não digam quanto sei
Neste retiro em que me não conhecem.

Nem só lodos se arrastam, nem só lamas,
Nem só animais boiam, mortos, medos,
Túrgidos frutos em cachos se entrelaçam
No negro poço de onde sobem dedos.

Só direi,
Crispadamente recolhido e mudo,
Que quem se cala quando me calei
Não poderá morrer sem dizer tudo.

José Saramago

Interpretado pela Andante:

Voz: Cristina Paiva; Música: Eleni Karaindrou; Sonoplastia: Fernando Ladeira

5 comentários:

Menina Marota disse...

R.I.P.

Valter Ego disse...

Sempre polémico tanto pelas posições políticas como pelas posições perante a "eclesia", havendo sempre lugar pelo meio (e no meio está a virtude) para as provocações literárias - afinal de contas, o que nos faz hoje lamentar o seu desaparecimento... hoje morre um pouco da língua portuguesa, pois hoje nos deixou um dos seus maiores escultores do século XX... Que o homem-josé descanse em paz pois o escritor-saramago nunca será esquecido...

Numa homenagem a J.S.:

Dizem que Abel caiu ao pés de Caim,
Qual mártir e fratricida unidos pelo sangue derramado.
E que Caim foi filho da Malvada Serpente que nos tentou a todos.
Tentou e conseguiu…
Mas ele vive na ponta dos esquálidos dedos do Mago
Que sara a pútrida gangrena dos olhos que o observam
– E que o vêem! Sara o Mago
Abrindo feridas com cuspo fechadas, fachadas
Com lágrimas e pus pintadas;
Rasgando as folhas da Árvore Primordial à incestuosa sombra
Da qual Adão e Eva se habituaram a deitar
(Ah, sim, a Humanidade é um animal de hábitos,
Hábitos sob os quais se escondem terríveis segredos,
Como falsos falos pingando salmos e recitando sémen);
Dançando sobre as falhas tectónicas do Paraíso Celestial.
Aos pés de quem cairemos nós? Eu escolho não perecer
Esmagado por titãs de pés de barro. Vem, Mago, lambe
E sara as nossas feridas…

Anónimo disse...

A luta continua
R.I.P.

pierre sauvage

Petrus Monte Real disse...

"E lá vos tem logar, no fim da idade,
No tempo da suprema eternidade"
CAMÕES

Muito a admiro, Inês Ramos.
Em poucas palavras deu o destaque merecido ao grande escritor que foi José Saramago.
A citação do Camões é a mesma que aparece em epígrafe, no poema "Surrexit" do Tomás Ribeiro.
Dedico-a ao poeta que nos deixa nesta vida terrena.

Anónimo disse...

SEMPRE CHEGAMOS AO SÍTIO AONDE NOS ESPERAM.

LIVRO DOS ITINERÁRIOS

Até nestes momentos a pequenez e a mesquinhez não arredam pé. Veja-se a primeira página do Correio da Manhã e a posição do presidente a república.

E a posição de Mariano Rajoy.
Como isso nos diferencia. E como se compreende a opção de Saramago em afastar-de deste país que nem agora o merece.