Praga é um espelho encantado
Ao olhar-me nele
Encontro os meus vinte anos
Sou como um salto em frente
Sou como trinta e dois dentes
sem cárie
E o mundo é uma noz
Mas não quero nada para mim
Só a mulher que amo
A tocar os meus dedos com os seus
Que abrem todos os mistérios do mundo
As minhas mãos partem o pão
pouco para mim
Muito para os meus amigos
Nas aldeias da Anatólia
beijo olhos que sofrem de tracoma
E chego algures a terra distante
Para a Revolução mundial
Trazem o meu coração num coxim de veludo
Como se fosse a ordem da bandeira vermelha
Uma fanfarra toca a marcha fúnebre
Sepultamos os nossos mortos junto de um muro
Sob a terra
Somo sementes fecundas
E as nossas canções estão escritas na terra
não em turco, russo ou francês
Mas em cançonês
Lenine está acamado numa floresta com neve
Franze as sobrancelhas
A pensar em alguém
Olha até ao fim das trevas brancas
Vê os dias que hão-de vir
Sou como um salto em frente
Sou como trinta e dois dentes
sem cárie
E o mundo é uma noz
Com uma casca de aço
Mas inchada de esperança
Praga é um espelho encantado
Olho-me nele
Mostra-me no leito de morte
A testa alagada em suor
Como se a cera da vela tivesse gotejado
Os braços ao longo do corpo
A tapeçaria verde
E pela janela
Os telhados cobertos de fuligem de uma grande cidade
Esses telhados não são os de Istambul
Os meus olhos estão abertos
Ainda os não vieram fechar
Ainda ninguém sabe
Inclina-te para mim
Olha nas minhas pupilas
Verás nelas uma mulher jovem
Na paragem do eléctrico à espera à chuva
Fecha-me os olhos
E em bicos de pés
Sai do quarto, camarada.
Nâzim Hikmet
(Tradução de Rui Caeiro)
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Constança
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