INÊS Num dia com pelo menos dois poetas de excelência a lembrar, estou a referir-me a Odysseus Elytis, para além de Sena (fizeste uma belíssima escolha e então com esse poema magnífico dito pelo Mário Viegas), vais permitir que eu traga aqui também, a “Ode ao Surrealismo por Conta Alheia” do mesmo Jorge de Sena. Como sabemos trata-se de uma glosa ao “milagre” das rosas (“são rosas senhor, são rosas!!!”) transferido para os tempos do fascismo, onde há um “rei” inquisidor que fazendo perguntas ditas “surrealistas” em torno do papel político do poeta leva necessariamente à interrupção do poema fazendo-nos lembrar o poeta do “Kubla Khan”…um espanto!!!! Eu gosto!!!
Ode ao Surrealismo por Conta Alheia
Que levas ao colo, embrulhado em sarrafaçais transcritos mau olhado abomináveis trutas e outros preconceitos? Um sacerdote? Um gato? A timidez?
Que transportas silencioso, imóvel, como dormindo, no xaile pespontado a verde com que limpas o suor, o sémen, as fezes, tudo o que abandonas, ofereces, vendes, expulsas, injectas, convocas, reprovas, descreves, etc.? Embalas e não respondes.
Temes a polícia, os tapetes, o capacho, o telefone, as campainhas de porta, as pessoas paradas pelas esquinas reparando em por de baixo das roupas das outras que passam? Temes as palavras? Temes que saiam versos, lágrimas, casamentos, satisfações apressadas em campos de arrabalde? Temes os partidos, os artigos de fundo, os banqueiros, os capelistas, a inflação, as úlceras do estômago ou sociais? Que transportas ao colo em silêncio e num xaile? É a vida? Anúncios luminosos? Casas económicas? O mar? Irmãos? Reivindicações? Um livro? Embalas e não respondes.
É a vida? A noite que cai? As luzes distantes? Um gesto? Um olhar? Um quadro? Uma poesia lírica?
(Oportunamente interrompida pela chegada de uma pessoa conhecida)
Jorge de Sena, "Ode ao surrealismo por conta alheia," in Poesia I, (pgs. 131-132) - Lisboa, Morais, 1961.
No congresso sobre Jorge de Sena, que decorreu na Torre de Belém há uns bons anos, aprendi com a viúva Mécia de Sena esta magnífica definição de megalomania, da autoria do poeta: "Megalomania é um homem estar à altura da sua mania".
2 comentários:
INÊS
Num dia com pelo menos dois poetas de excelência a lembrar, estou a referir-me a Odysseus Elytis, para além de Sena (fizeste uma belíssima escolha e então com esse poema magnífico dito pelo Mário Viegas), vais permitir que eu traga aqui também, a “Ode ao Surrealismo por Conta Alheia” do mesmo Jorge de Sena.
Como sabemos trata-se de uma glosa ao “milagre” das rosas (“são rosas senhor, são rosas!!!”) transferido para os tempos do fascismo, onde há um “rei” inquisidor que fazendo perguntas ditas “surrealistas” em torno do papel político do poeta leva necessariamente à interrupção do poema fazendo-nos lembrar o poeta do “Kubla Khan”…um espanto!!!! Eu gosto!!!
Ode ao Surrealismo por Conta Alheia
Que levas ao colo,
embrulhado em sarrafaçais transcritos mau olhado
abomináveis trutas e outros preconceitos?
Um sacerdote? Um gato? A timidez?
Que transportas silencioso, imóvel, como dormindo, no xaile
pespontado a verde com que limpas o suor, o sémen, as fezes,
tudo o que abandonas, ofereces, vendes, expulsas, injectas,
convocas, reprovas, descreves, etc.?
Embalas e não respondes.
Temes a polícia, os tapetes, o capacho, o telefone, as campainhas
de porta, as pessoas paradas pelas esquinas reparando
em por de baixo das roupas das outras que passam?
Temes as palavras?
Temes que saiam versos, lágrimas, casamentos,
satisfações apressadas em campos de arrabalde?
Temes os partidos, os artigos de fundo, os banqueiros, os capelistas,
a inflação, as úlceras do estômago ou sociais?
Que transportas ao colo
em silêncio e num xaile?
É a vida? Anúncios luminosos? Casas económicas? O mar? Irmãos?
Reivindicações? Um livro?
Embalas e não respondes.
É a vida? A noite que cai? As luzes distantes? Um gesto?
Um olhar? Um quadro? Uma poesia lírica?
(Oportunamente interrompida pela chegada de uma pessoa conhecida)
Jorge de Sena, "Ode ao surrealismo por conta alheia," in Poesia I, (pgs. 131-132) - Lisboa, Morais, 1961.
No congresso sobre Jorge de Sena, que decorreu na Torre de Belém há uns bons anos, aprendi com a viúva Mécia de Sena esta magnífica definição de megalomania, da autoria do poeta:
"Megalomania é um homem estar à altura da sua mania".
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