sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Rui Costa (1972-2012)


Autobiografia

Não preciso mas tu sabes como eu sou
Encaminho-me pouco divirto-me assim nas copas
Das árvores soprando pensamentos para o mundo que há de noite.
As pessoas quando acordam são outras, já sabias,
Essa névoa contemporânea do medo miudinho
Que perdemos nas cidades e nos corpos, tu entraste
Antes de mim nos jogos, o enxofre da música e o
Lago do feitiço, inocente homem breve que sonha
Tu bem sabes.
Depois aluguei a bruxa por uma vasta noite.
E a minha vida mudou, a noite cresceu.
A vertigem ardeu-me nos braços até à sangria
Do tédio quando para sempre julguei que te perdia.
Na luta perdi um ou dois braços,
Mais do que o que tinha. Mas esta memória é um palácio,
São corais no pensamento. Jardins e fantasmas.
O gume nas mãos sorvendo, criança estratosférica
E profunda: sem braços e agora sem mais nada,
Não me percebeste, enchi-me de fúria.
É uma arte, queria eu dizer, matar sem retrocesso e
Atraso – ah aqueles braços para apoiar as mãos -,
Ceifando. Saturno e o vento na proa erguendo.
Parado como dizer? Não dizer, eu sou uma vida
Medonha e múltipla. E agora descanso
Deitado nestas mãos que mexem
Sem apoio, sabes, nascendo dos teus olhos
P’la manhã.

Rui Costa

2 comentários:

George Sand disse...

Confesso que não conhecia a poesia do Rui Costa
Tenho pena de lhe ter chegado assim...num momento de partida.
Restam as palavras, para descobrir...

Claudia Sousa Dias disse...

gosto. muito. dói não ter chegado a conhecer.