terça-feira, 14 de setembro de 2010

Um livro de poesia a cada dia...
nem sabe o bem que lhe fazia


A Morte de D. João
Guerra Junqueiro
11ª ed.: Parceria António Maria Pereira, 1924







VITA NUOVA

Os versos que ahi vão, modelo da poesia
Ultra-peninsular,
Encontrei-os, leitor, na velha mercearia
D'um nobre titular.

Entre os rotos papeis que dormem pelas tendas,
Nos crassos mostradores,
Vào perder-se hoje em dia as amorosas lendas
Dos nossos trovadores.

A gente encontra alli a historia dos Othelos,
Versos sentimentaes,
Calculos de agiota e folhas de libellos
E restos de missaes.

Vou muitissima vez ás lojas dos burguezes
Onde ha queijos londrinos,
Para comprar barato os versos portuguezes
E os classicos latinos.

Foi assim que eu achei ha tres ou quatro dias
A preciosa gemma,
Os ternos madrigaes, as infantis poesias
Do heroe do meu poema.

Tenho nas minhas mãos o unico original
Completo e verdadeiro;
O papel é almasso e a lettra é garrafal
Como a d'um bom caixeiro.

De resto, emquanto á graça e merito das trovas,
São coisas de rapaz:
De quando em quando têm certas imagens novas,
Que não são muito más.

Mas no entanto eu queimei, sem licença do auctor,
Poesias de cordel
Feitas no velho estylo, o estylo trovador
de Serpa Pimentel.

Já me tinha esquecido: ha uma nota no fim.
Dos versos manuscriptos;
A lettra é de mulher e a nota diz assim:
«Para embrulhar palitos.»

A nota que fechou com excellente prosa
Esta arte de amar
Explica-nos, leitor, a estante indecorosa
Onde eu a fui achar.

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