domingo, 28 de fevereiro de 2010

Um livro de poesia a cada dia...
nem sabe o bem que lhe fazia


Dispersão

Poesia Reunida

Nuno Dempster
Edições Sempre-em-Pé, 2009






Não é sem alegria que olho em volta,
mesmo nesta hora longa de inventários
virtualmente unidos num apenas,
atravessando o tempo construído
com paciência, verso a verso,
até exaurir o que parece inexaurível.
A memória é um largo campo
com imagens tão díspares
como o voo dos patos ao cair do sol
e um homem trespassado de estilhaços
na selva da Guiné, sem perceber
porque a vida se lhe ia com o sangue,
talvez selando o peito
com a palavra azar, sem nenhum deus
ou lugar que o remisse, bicho casual
que deveria ter nascido anos depois
para tentar a sorte, o carro, a casa,
a mulher que o esperava com os dois anéis,
a vida degradada e o país podre,
com certeza pequenos sinais usados
em prosa de ficção, evitando-se a mãe
que chorava em silêncio a sua morte,
isto é, o melodrama, precisando:
o excesso de verdade, arquétipo difícil.
E no entanto não é sem alegria
que olho em volta de mim,
por dentro de mim mesmo, e sei
ter visto algo só meu,
as estrelas cadentes do Verão,
aquelas que riscavam certas noites
e que não mais irão voltar.
Não falo das estrelas
que atravessam o céu como antes,
são meteoritos apenas,
mas das noites vividas, horas únicas,
não interessa qual a sensação,
sequer os sentimentos que seguiam
o traço luminoso e breve,
interessa a riqueza vária e vaga
que juntei e descrevo longamente,
ó doce solidão enumerável.

1 comentário:

Anónimo disse...

Aprecio a sua poesia, Nuno. Continui que não polui mas dissolve muita da que só nos faz é perder tempo...cumprimentos, Dinis Nunes