Escrever assim...
escrever sem arte,
sem cuidado,
sem estilo,
sem nobreza,
nem lindeza...
sem maior concentração,
sem grandes pensamentos,
sem belas comparações,
não será escrever!
Mas assim me apetece,
que o entendam ou não,
que o admitam ou não,
escrever...
estender
o delgado, esfiado,
inoperante
pensamento.
Este pensar
não é actuar mentalmente,
sequer,
é descansar...
Estive deitada,
e agora estou sentada.
Deitada via as nuvens,
brancas do sol,
brilhantes,
enoveladas.
Tanta brancura
à frente dos meus olhos!
Afogava-me nela.
De que me lembrava?
Nem eu já sei.
As ideias do dia,
picadas sem dor,
a que sorria,
como apareciam, desapareciam...
Realmente,
só na hora,
no pleno instante
de nos assaltarem,
frescas e imprevistas,
têm o seu sabor.
Deitada,
com a luz nos olhos,
sonhava... sei que sonhava...
na única coisa em que se sonha,
na única coisa em que se pensa,
naquela que é a trama,
o fundo ora baço,
ora vivo,
persistente e teimoso,
das nossas preocupações...
Antes ensaiei vestidos,
mas todos usados...
Vestidos do verão,
leves,
remoçantes,
que dá gosto ensaiar.
É uma experiência que se faz...
Vemo-nos ao espelho
e ele que nos diz?
Tudo o que desejamos
e também o que receamos...
Que me diz o espelho?
Fala-me dos olhos,
fala-me do corpo,
engana-me...
Mas também me diz,
tantas vezes!:
nada esperes,
és tola.
Ai que podem os vestidos,
que podem os espelhos?
Tempo!
Tu é que tens a última palavra!
Corres,
e, sem dó, tudo inutilizas.
Bem hajas!
Inutiliza! Mas não demores!
Destrói, mata.
Que o pior mal,
de todos o pior,
é esperar,
sempre esperar.
Irene Lisboa
Na voz de Luís Gaspar:
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