quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Poemário Afonso Duarte on-line


Numa homenagem a Afonso Duarte (assinalando os 50 anos da sua morte, no dia 5 de Março de 2008), a Câmara Municipal de Coimbra criou um calendário poético com poemas e excertos literários de livros da biblioteca pessoal de Afonso Duarte intitulado «A Poesia dos Dias».
Trata-se de um calendário em que, diariamente, ao longo do ano de 2008, é adicionado um poema ou um excerto literário retirado de obras da biblioteca particular de Afonso Duarte, com o objectivo de dar conhecer o poeta através dos seus poemas e dos livros que ele leu no dia-a-dia, visando também estimular aos visitantes, o gosto pela leitura.
O «poemário» online está associado ao site da Biblioteca Municipal de Coimbra, aqui.

2 comentários:

Joaquim Alves disse...

Que belíssima surpresa!
Agradecido,

joaquim alves

Anónimo disse...

"É o nosso Iraque".
Foi assim que um amigo meu descreveu as mortes dos nossos familiares e amigos, a partir de uma certa idade das nossas vidas.

Ontem morreu o Ulisses Duarte, fundador da Tertúlia Rio de Prata, que se reúne semanalmente há mais de 15 anos.

Morreu em casa, vitimado por um ataque cardíaco.

O funeral realiza-se hoje, quinta-feira, pelas 15 horas, saindo da Igreja de S.João de Deus, na Praça de Londres.

"Professor, este moço também escreve poesia". Foi assim que o dono do Rio de Prata me apresentou ao Ulisses, sentado ao balcão do restaurante, numa manhã de 1991 ou 1992. Era sábado. Eu tinha chegado de um torneio de pingue-pongue do Inatel e estava com mais ar de desportista do que poeta.

A empatia foi rápida e o Ulisses convidou-me a partilhar do convívio com o seu grande amigo António Manuel Couto Viana. Às quintas, a seguir ao almoço, reuniam-se no restaurante, para cavaquear, tendo a poesia como tema sempre presente.

Do dueto Ulisses/Couto Viana rapidamente se passou a quarteto, comigo e com o João Marcos (também já falecido). E a Tertúlia foi crescendo. E fui fazendo mais amigos.

O Ulisses Duarte tinha um nome bonito e pouco vulgar (Guilherme Ulisses). Era um homem de múltiplos talentos. Foi professor de Matemática, publicitário, vendedor ambulante, escritor, pintor e mais uma série de coisas.

Autor de letras de fados para Amália Rodrigues e do documentário "Madeira, Pérola do Atlântico".

Fugiu algumas vezes da PIDE. Esteve mais de 20 anos fugido da poesia, sem publicar. No princípio dos anos 90, a par do nascimento da tertúlia, bateu-lhe forte o desejo de voltar à escrita poética. E nasceu o seu poema épico "Poalhas do tempo". Foram "Os Lusíadas" do Ulisses.

Com ele fui ao Centro Nacional de Cultura, na António Maria Cardoso, onde ele foi várias vezes interrogado.Dessa vez, a ida à António Maria Cardoso foi uma alegria e uma excitação.
"Poalhas do Tempo" foi apresentado por um amigo comum, o poeta Paulo Brito e Abreu.

Depois desse vieram mais livros. E muitos prémios em concursos de poesia. Em rima livre, em quadra popular ou noutro género. O Ulisses era um artífice da poesia. Davam-lhe o mote, ele escrevia.

Também prosador, os seus méritos literários eram mais sólidos no campo da poesia. Homem marcadamente de esquerda, ainda assim não desdenhava das tradições católicas portuguesas. E foi assim que nasceu o "Florilégio de Natal". Livro colectivo da Tertúlia Rio de Prata, com os seus poetas a contribuírem todos os anos com um poema de Natal.

Foi o Ulisses que teve a iniciativa de me publicar na Universitária Editora o livro de poesia lírica "A Idade das Trovas". Foi o Ulisses que apresentou o livro na Casa Fernando Pessoa, usando de palavras que me tocaram.
Também foi o Ulisses que me convidou a ceder um poema para a Antologia da Poesia Erótica, da mesma editora.

Literariamente, embora apresentasse vários registos, era um homem marcado pelo neo-realismo. Tanto a poesia como as crónicas eram marcadas por uma preocupação social.

Podia ser extremamente cortante, como na rubrica "Gazetilha". Ou profundamente terno, nos poemas em que falava do amor de uma mãe pelo filho ou em que aflorava outros dramas humanos.

Era, para além de tudo, um belíssimo declamador. E sabia emocionar os que o ouviam. Em Coimbra, uma noite, no bar "A Carruagem" levou a cantora Né Ladeiras às lágrimas, ao ouvi-lo recitar um poema.

Homem do Norte, puto reguila de Matosinhos, filho de gente respeitável, manteve o seu sotaque até ao fim.Gostava de ver o seu FC Porto na televisão, mas em jovem distinguiu-se como guarda-redes de andebol.

Era membro do Conselho Fiscal da Associação Portuguesa de Escritores. Com o Ulisses partilhei também esse belo passeio aventuroso que foi a Associação Literária SOL XXI, que durante mais de 16 anos editou uma bela revista, muito por mérito e devoção de Luísa de Andrade Leite.

Tinha também um temperamento explosivo e desassombrado. Se nos unia o gosto pela subversão, eu sabia que não se podia levar muito a sério certas frases do Ulisses, ditas no calor de um qualquer debate.

Ulisses Duarte era um homem das letras e da poesia. Com ele muito aprendi.

É o nosso Iraque. Desta vez, a baixa foi do comandante, depois do Manuel Vidas, do João Marcos, da Edite Arvelos, do Rui Cacho.

Ficam os livros, os poemas e, sobretudo, as memórias. Das gargalhadas que demos, dos sorrisos que trocámos, das histórias que ouvimos.

É muito.