quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Desagravo a Vallejo, de juiz a injusto réu


Inaugurou hoje, 14 de Novembro, no Peru, uma exposição que pretende homenagear o poeta peruano César Vallejo, como forma de desagravo pela prisão injusta de que o poeta foi vítima entre 1920 e 1921.
César Vallejo (1892-1938), autor de obras fundamentais da poesia em língua espanhola, como "Poemas Humanos", foi acusado de um crime que não cometeu e permaneceu 112 dias na prisão. Esta experiência teve uma profunda influência na sua vida e na sua obra, reflectindo-se directamente em vários poemas do livro "Trilce" (1922).
Quase 90 anos depois, o poder judicial peruano apresenta deste modo o seu pedido de desculpa com a exposição "Desagravo a Vallejo, de juiz a injusto réu".

Obra poética de Vallejo:
"Los Heraldos Negros" (1918), "Trilce" (1922), "Nómina de huesos" (1936), "Sermón de la barbarie" (1939), "España, aparte de mí este cálize" (1939), "Poemas Humanos" (1939) edição póstuma.


Um homem passa com um pão ao ombro...

Um homem passa com um pão ao ombro
- Vou escrever, depois, sobre o meu duplo?

Outro senta-se, coça-se, tira um piolho do sovaco, mata-o
- Com que desplante falar da psicanálise?

Outro entrou em meu peito com um pau na mão
- Falar, em seguida, de Sócrates ao médico?

Um coxo passa dando o braço a um menino
- Vou, depois, ler André Breton?

Outro treme de frio, tosse, cospe sangue
- Convirá não aludir jamais ao Eu profundo?

Outro busca no lodo ossos e cascas
- Como escrever, depois, sobre o infinito?

Um pereiro cai de um telhado, morre, já não almoça
- Inovar, em seguida, a metáfora, o tropo?

Um comerciante rouba um grama no peso a um freguês
- Falar, depois, da quarta dimensão?

Um banqueiro falsifica o seu balanço
- Com que cara chorar no teatro?

Um pária dorme com um pé às costas
- Falar, depois, a ninguém de Picasso?

Alguém vai num enterro a soluçar
- Como em seguida ingressar na Academia?

Alguém limpa uma espingarda na cozinha
- Com que desplante falar do mais além?

Alguém passa a contar pelos dedos
- Como falar do não eu sem dar um grito?

César Vallejo
(tradução de José Bento)



Os Arautos Negros

Erguem-se visagens fúnebres do lábio
como batráquios terríveis na atmosfera.
Pelo Saara azul da Substância
caminha um verso cinza, um dromedário

Fosforesce um esgar de pesadelos cruéis.
E o cego que morreu repleto de vozes
de neve. Madrugar o poeta, o nómada,
é um dia áspero para ser homem.

As Horas seguem febris e abortam
nos ângulos rubros séculos de ventura.
Quem corta o fio, quem desfaz
impiedosamente os nervos,
cordéis já gastos, na tumba?

Amor! E tu também. Pedras gastas
se delineiam na tua máscara que se rasga
Contudo, a tumba é
um sexo de mulher que conquista o homem!

César Vallejo
(tradução de Jorge Henrique Bastos)

1 comentário:

Anónimo disse...

vou ler e não vou deixar em claro!
obrigado Inês