terça-feira, 1 de maio de 2007

Poemas de Amor

Conforme prometido, aqui ficam todos os poemas recebidos até ao dia 30 de Abril.



Pequena receita para ressacas de amor

(Para D., como uma lágrima a fugir do coração)­

— 1 cigarrilha Romeo y Julieta mini, de Alvarez y Garcia.
— cinco cigarros John Player Special (preto).
— 1 garrafa de mini-bar de vodka Absolut.
— 2 garrafas de mini-bar de Fonseca Porto, Tawny Port.
— 1 garrafa de mini-bar Mateus Rosé.
— 2 comprimidos Apton 20.
— algumas (muitas) lágrimas (orgulhosamente verdadeiras).


Mãos nas mãos
com o Douro em fundo
tu e eu sabemos
que tudo está dito

Mãos nas mãos
com o Douro em fundo
tu e eu sabemos
que nem tudo é fúnebre

Mãos nas mãos
com o Douro em fundo
tu e eu sabemos
que apenas custa

o singelo momento
em que os meus olhos
encontram os teus
e o teu abraço

vem de encontro a mim
enquanto os teus lábios
beijam minha face
e os teus cabelos

cheiram a promessas
feitas d’utopias
que eu sei fatais
como as armadilhas

do amor eterno
como as armadilhas
da lua velhaca
do mar traiçoeiro

E quando tu partes
eu fico a pairar
como se os meus passos
já não fossem meus

E olhos nos olhos
mas já sem te ver
preciso de ti
das tuas memórias

Caminho na rua
e fumo um cigarro
como um Romeu
órfão de Julieta

Depois fumo mais
tenho um maço preto
que tinha doirados
nos Lotus do sonho

Ando pelas ruas
sem saber porquê
e os cães que ladram
sabem que te amo

O nome da rua
é Guerra Junqueiro
como se poético
fosse o nosso amor

Por fim chego ao ‘Douro’
que já não tem água
mas um cemitério
com gatos e gente

E sem saber como
sentado na cama
como um pugilista
que não sabe o ringue

solta-se uma lágrima
que me molha os lábios
e sei que preciso
de saber de ti

Então abro a porta
do meu mini-bar
e bebo de um fôlego
um Absolut

E depois desisto
da sobriedade
e bebo dois Tawny
sem ser por maldade

E encho a banheira
d’água muito quente
deito-me lá dentro
a pensar em ti

No dia seguinte
no regresso a Lísbia
sei que vai doer
como sempre dói

Mas sei a ternura
com que me disseste
que as minhas mãos
te deram calor

E fico a pensar
que sofrer é fado
tocado ao relento
fumado ao luar

E quando me deito
anestesiado
a sonhar contigo
ainda acordado

Sei que vai ficar
tanta coisa boa
que choro com gosto
o que já vivemos

E quando sonhares
teus sonhos privados
lembra-te de mim
com saudades do vento

Porque
mãos nas mãos
com o Douro em fundo
tu e eu sabemos
que tudo está dito

Luís Graça





***




Pesadelo

Não sabia quão grande era o amor
mas ao imaginar tê-lo perdido
foi de tal modo intensa a dor,
como um buraco negro foi tão densa
que tudo à minha volta era vazio.
Sem luz, sem qualquer crença,
tudo se tornou lúgubre, frio.
A vida ficara sem sentido.

Regina Gouveia





***




Não sei…

Não sei se era amor o que sentia
Só sei que em sonhos eu te via e pressentia
que por ti tinha esperado desde sempre.
Não sei se era amor o que sentia
sei que eras a luz que mal surgia
encandeava tudo num repente
Não sei se era amor o que sentia
mas sei que ao amar-te assim tão loucamente
só poderias ser uma utopia
e que existias somente em minha mente.

Regina Gouveia





***




Pasargada

Agrilhoada a vontade
resta sempre livre o pensamento.
Com ele parto para Pasargada
em busca dum amor que não existe
ou se existe é noutro espaço e noutro tempo,
um amor despojado de ciúme
em que a paixão, sublime, porque terna
ainda que não perdure é sempre eterna

Regina Gouveia





***




Em ti sei de gestos


Em ti sei de gestos
em qualquer coisa suspensos
como luz que enleva
como lágrimas da fonte
como azul que embriaga
como ar que retém a voz
como sorrisos chorados
como dor indolor
como mar na rebentação das ondas
ou na maré que assalta o muro.

E na mão que segue trémula
digo:
em ti sei de gestos
que tombam
na entrega do Amor.


Maria Costa





***




porque me dói o coração?


trezentos dias de sonhos
havia eco em todas as letras
fantasias de vogais enamoradas
pelas consoantes mudas
assim de vez o mundo em paz
numa conversa terna, vivida
no encantamento diurno

canta-me ao ouvido,
adormecida sonho
esquecida da vida
dentro do vento misterioso,
inquietas ilusões escritas
num livro de almas, pergunto
porque me dói o coração?

Constança Lucas




***




Quem em mim se encontra


Quem em mim se encontra
nas iguarias inventadas
saboreia imensurável afecto
num construir doces perguntas
e nas respostas para matutar
nas esperas como folhas verdes
sempre a adivinhar
um cantar, um paladar

quem de ti se encanta
no teu regaço adormece
num desafio de amor
num abraço em nó

só - eu em mim me escondo
nestas tormentas de não estar
nunca onde estou

Constança Lucas



***



Só para te ouvir cantar

Só para te ouvir cantar
as palavras que valham a pena
olha-me bem no coração
não escreverei mais o meu nome
cantarei as palavras que vivem nos desenhos
e são a minha razão mais forte
no canto da noite, abraça-me,
as estrelas sabem as tuas vozes
ouvem cânticos de lua e sol,
dos nomes através de ti
nos ecos da tua ausência
não existes na natureza,
nem nas casas encantadas,
todas elas foram destroçadas
não poderei voltar
o meu maior desejo
é ouvir-te cantar
neste verão longo e quente,
as violetas dão flor sem parar

Constança Lucas



***



Pode não ser sempre assim


Pode não ser sempre assim,
nas estremecidas imagens
as minhas palavras emudecidas em ti
digo-te alto sempre estás longe
não quero teus segmentos verbais
cheios de raciocínios isentos
quero ouvir o canto próprio
nestes corações afluentes
delirantes nas águas dos oceanos
quero-te sem certezas
neste instante, dentro das palavras
essas nem sempre seguras
mas certamente cordiais

Pode não ser sempre assim
nas lembranças de abraços apagados
as minhas cantigas ecoam no vento
digo-te cada letra bem devagar
não quero os teus silêncios
cheios de razões profundas e vagas
quero seguir caminhos impróprios
nestes dizeres de sangue
delirantes nos desapontamentos
neste instante não te quero comum
essas camadas de silêncios tortos
mas cheios de falares avulsos

Pode não ser sempre assim

Constança Lucas





***




Sonho-te
que sonhando-me
sonhas-me,
em teus braços,
mil beijos
sussurrados

Sonho-te
e sonhando-me
amo-te
no rasgar da pele
buscando
carícias longas
entregando-me

Sonho-te
no abraço incontido
corpo entregue
vencido
em noites de vendaval

E esse perfume errante
- seiva quente -
dá vida dá alento
mesmo que não passando
de ilusão,
que se desfaz em nada,
tal qual nuvem
em tarde de Verão.

Sonho-te
que sonhando-me
sonhas-me...

amando-te…

Menina Marota





***



E, finalmente, o poema que foi escolhido para ser gravado em audio pelo Luís Gaspar:


Conto de Fadas

O que te dizer quando nos olhos, como lágrimas se desprende
o que sinto por ti?
O que te escrever quando as palavras estão enfermas de erros
e enganos, e não afastam esta solidão que cresce dentro de mim?
resta-me este silêncio que sei incapaz de me trair, e que colho às mãos
cheias como no verão o jasmim, escrevo-te longas cartas que rasgo
logo a seguir, nados mortos em envelopes azuis por abrir.
um anão de vão de escada sorri, e um mandarim de pau na mão
certifica-se que não adormeci na vida que se projecta diante de mim
na alva parede que se fecha sobre os sonhos da minha infância,
onde outrora pintei um sol amarelo graffiti confiante e sorridente.
refugiam-se nas tocas os coelhos, bolas de pêlo saltitante de nariz fremente
e hesitante, como se a cada instante fosse necessário abalar a fugir.
provavelmente terão a sua razão, e pelo sim pelo não
telefono ao tubarão que me guia pela noite, num deslizar de águas mansas
tépidas e límpidas como cristal, recolho então as estrelas
e os cristais que Neptuno me oferece
e sou feliz enquanto não amanhece
e o despertador me atira da cama com um grito de urgência
e sou eu de novo adulto responsável
incapaz de verter uma lágrima ou de soltar um sentimento que não seja
picar o ponto e bater num teclado qwert que diante de mim boceja.
e ainda há quem não veja, que a felicidade se esconde por detrás de um
funcionalismo público que de um prédio dos subúrbios espreita
e que o poder de compra se vende em quiosques, estampado em revistas
de fundo cor de rosa, recheados com conselhos de uma madame de Cascais
ou na tinta suja dos jornais em letras gordas e garrafais. e os lustrosos
senhores do capital dizem-nos que temos de viver mal
para que a engrenagem não emperre, e a vida avança por entre prateleiras
de hipermercado devidamente embalada e pronta a consumir, que o tempo
escasseia e é preciso produzir, sempre a sorrir, sempre satisfeito
que se o humano não é perfeito, as máquinas inventaram-se para o corrigir.
atribuo-te um número binário, um cálculo matemático e hermético
para aferir o quanto gosto de ti, mas o sistema encravou e é preciso
reiniciar para prosseguir, salva-se o que se pode e digo-te baixinho:
amo-te princesa dos contos de fadas da minha infância
e de armadura reluzente armo-me com a espada do rei Artur
e vou caçar dragões para me distrair, da doença do mundo
que consiste em não saber sonhar ou sequer sorrir.


Frederico Hartley




Os meus sinceros agradecimentos a Luís Graça, Regina Gouveia, Maria Costa, Constança Lucas, Menina Marota e Frederico Hartley.

3 comentários:

Anónimo disse...

Bonita minha.
Mereceu a pena a tua iniciativa.
Tens por aqui bons trabalhos.
O poema por ti escolhido é, de facto, o melhor, "ou melhor", é diferente. E ás vezes, nas diferenças, está a diferença.
Percebes o que quero dizer?
Eu não!
Beijos.
Luís Pinto

Menina Marota disse...

Uma boa escolha. Parabéns ao contemplado!

Um conjugar de sentimentos, dia a dia sentidos...


Um abraço ;)

Rosa Brava disse...

Ousei levar "emprestado" o poema e a gravação do Conto de Fadas, para postar no meu blogue.
Algum inconveniente diz, que será de imediato retirado.

Um abraço e grata pela partilha ;)