Senhoras e senhores:
Quando falo à frente de muitas pessoas parece-me sempre que errei na porta. Mãos amigas empurraram-me, e aqui estou. Metade das pessoas vive perdida entre cenários, árvores pintadas, fontes de lata e, quando julga que encontrou o seu quarto ou um círculo de morno sol, encontra-se com um caimão que a engole ou... com o público, como eu neste momento. E hoje não tenho mais espectáculo além de uma poesia amarga, mas viva, que julgo capaz de abrir os olhos à força de chicotadas que lhe dei. (...)
De qualquer forma, há que ser claro. Hoje não venho aqui para vos entreter. Nem quero, nem me importa, nem tenho vontade. Melhor dizendo, vim lutar. Lutar corpo a corpo com uma massa tranquila, pois o que vou fazer não é uma conferência, é uma leitura de poesias, carne minha, alegria minha e sentimento meu, e preciso de me defender deste enorme dragão que tenho à frente, que me pode comer com os trezentos bocejos das suas trezentas cabeças defraudadas. E a luta é esta; quero veementemente comunicar convosco já que vim, já que estou aqui, já que saio um instante do meu grande silêncio poético e não quero dar-vos mel, porque o não tenho, apenas areia, ou cicuta, ou água salgada. Luta corpo a corpo onde me não importa ser vencido.
Federico Garcia Lorca
in Lorca - Nova York num poeta
(Tradução de António Moura)
Interpretado pela Andante (excerto do espectáculo “A Colhida e a Morte” de 2002):
Voz: Cristina Paiva; Música: Scott Joplin; Piano: Joaquim Coelho
2 comentários:
Inês
Como tu saberás, muito bem, a resolução da Unesco que proclamou o dia 21 de Março como dia Mundial da Poesia foi estabelecida na sua 30.ª sessão realizada em Paris entre os meses de Outubro e Novembro de 1999.
E as bases dessa resolução assentavam no facto da Unesco estar:
Convencida de que a iniciativa de uma acção mundial em favor da poesia daria um reconhecimento e impulso novos aos movimentos poéticos nacionais, regionais e internacionais, e
Consciente de que essa actividade, que responde a necessidades estéticas do mundo contemporâneo, deverá ter repercussões na promoção da diversidade das línguas, já que através da poesia os idiomas ameaçados tenderão para maiores possibilidades de se expressaram dentro das suas comunidades, e
Consciente também de que um movimento social em favor do reconhecimento dos valores ancestrais supõe ademais um retorno à tradição oral e à aceitação da palavra como elemento que socializa e estrutura a pessoa, e de que esse movimento, que pode ajudar os jovens a redescobrir valores essenciais, permite-lhes reflectir sobre si próprios.
Recordando, por último, que como a poesia é uma arte que tem as suas raízes na palavra, tanto escrita como oral, toda a actividade em seu favor deveria contribuir para a intensificação dos intercâmbios interculturais internacionais.
De facto este dia não é mais uma coisa do tipo Dia do Pai, ou dia dos namorados com toda a sua procissão de idas aos centros comerciais para consumir!!!!
E no Dia Mundial da Poesia faz anos a minha amiga Cristina Estrompa, filha do meu amigo Estrompa, subversivo e prezadíssimo autor de "Tornado", uma sátira banda-desenhística a Torpedo.
Gosto muito de pai e filha.
Como a filha tem melhor voz que o pai, convidei-a para o lançamento de "15 desatinónimos para Fernando Pessoa", que ocorrerá a 17 de Maio, a partir das 18 horas, na Casa Fernando Pessoa.
Os frequentadores deste blogue (pessoas de bom gosto, portanto) por certo receberão todos os pormenores a seu devido tempo.
E acho que a Inês já merecia uma medalhita pelo esforço que tem feito na divulgação da poesia. Quem a conhece, sabe que é uma paixão e uma causa altruísta e não uma forma de se promover.
A Inês é uma querida. E o Álvaro Faria ainda é mais, porque se não fosse o Álvaro Faria eu não tinha conhecido a Inês. E foi bonito conhecer a Inês num aniversário marcante do Álvaro Faria.
Obrigado, Álvaro!
Obrigado, Inês!
Isto pode parecer um bocadinho lamechas, mas hoje estou particularmente sensível e não é por ser o Dia Mundial da Poesia.
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