O que te posso dizer, Paulo?
Estou no piso inferior do Monumental. À minha frente tenho duas Super Bock Abadia. Não havia Super Bock Stout. Talvez tenha ficado com a cerveja preta associada à memória de um grande amigo: Fernando Alves Serra. O Fernando adorava Guiness e a Comunidade de Leitores da Culturgest saiu do velório do Fernando para beber uma Guiness num bar irlandês do Cais do Sodré.
Eu a conter as lágrimas, a beber a Guiness e a Marisa a dizer:
— Deixa cair, Luís, deixa cair....
Deixei cair.
E agora choro.
À minha frente, na mesa, tenho um exemplar do PÚBLICO, com quatro versos rabiscados nas margens, pelo medo de os perder até chegar ao Monumental e comprar um bloco Firmo A5 para as escrever.
Porque estes são os versos que tenho para deixar ao pai de um grande amigo meu: Paulo Cunha Porto.
E choro, sem vergonha, de cabeça apoiada no braço, em público, por quem não cheguei a conhecer. Não imagino os traços do rosto, a estatura, não sei nada, para além daquilo que o Paulo escreveu e sofreu nos últimos dias no seu blogue Misantropo Enjaulado.
Não sei nada. Mas choro por ele. Com orgulho.
Normalmente, as lágrimas não me correm fáceis. Ficam aprisionadas num Château D’If sem Abade Garcia ou Conde de Monte Cristo. Mas com os sonos todos trocados não consigo esconder o que me vai na alma.
Nem quero.
São lágrimas bem gastas.
Estava no Metro em S. Sebastião. Tocou o telemóvel. Saí.
Vinha feliz da FNAC do Chiado, com os livros para a Comunidade de Leitores da Culturgest.
Com o corpo na ressaca da hidroginástica e a concentração afectada pelas últimas noites brancas.
E veio a voz do Paulo. Simplesmente a voz que eu esperava ouvir, mas com as notícias que eu não queria ouvir. Uma voz cheia de dignidade perante a morte do seu pai.
Agora acalmo. Já escrevi o poema que tinha prometido ao Paulo à saída do Metropolitano, para o pai dele. Já o li à Inês, que o vai publicar no blogue dela.
E solucei a ler o poema e tive muitas dificuldades em chegar ao final. As palavras cortaram-se-me. Ninguém no Monumental pareceu aperceber-se de que as lágrimas me escorriam pela face e que a voz vacilava.
A morte é tão estranha aos que estão vivos.
Peço mais uma Abadia. Chega a Inês, em meu socorro, com a Alexandra e a pequena princesa Catarina, filha da Inês. É quase meia-noite.
E DO ESTORIL SOPROU A BRISA FÚNEBRE
Mais um pássaro
a voar
direito ao Céu
Mais um voo
que foi
e já não é
Mais um Porto
que fica
órfão de um cais
Mais um abismo
a queimar
como braseiro
Mais um amigo
a pensar
se vale a pena
Mais uma alma
atracada
no deserto
Assim ficamos
prostrados, ofendidos
incrédulos, tementes
Como quem não sabe
ou finge não saber
a meta à vista
E do Estoril
soprou
a brisa fúnebre
E depois da brisa fúnebre
virá o vento
e depois do vento
Ainda mais vento
sempre mais vento
até ao fim do vento
E a brisa fúnebre
tão fúnebre de fúnebre
que só fúnebre sabe ser
Dissolve-se no Guincho
em gritos de gaivota
e desfaz-se nas ondas
À procura da lágrima certa
para saudar a partida
de quem nos gerou
A dor fica
mas a Paz
há-de chegar
Luís Graça, 12/1/2006, 22h45m, R.I.P. em memória do pai do Paulo.
5 comentários:
O funeral do senhor Waldemar Deseado da Cunha Porto realiza-se hoje, domingo, pelas 11 horas. Meia-hora antes será rezada missa de corpo presente na capela funerária da Igreja de Santo António do Estoril, ao lado do Colégio Salesianos.
Ao Paulo, uma vez mais, um grande abraço e os desejos de muita coragem nestes momentos de dor.
Como seria imaginável, o Paulo soube comportar-se fidalgamente e com toda a dignidade no velório do seu pai.
E estas ocasiões definem a verdadeira grandeza de carácter das pessoas.
Um abraço solidário ao Paulo.
Cuando la pena nos alcanza, por un hermano perdido........Cuando el adios dolorido, busca en la fe su esperanza........En tu palabra confiamos , con la certeza que Tú......ya le has devuelto a la vida,ya le has llevado a la luz. Ya le has devuelto a la vida, ya le has llevado a la luz......(Himno La muerte no es el final)
Antonio Salgado (Çamorano)
Luis Graça, el buen amigo
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