terça-feira, 31 de outubro de 2006

Aqui fica, Luís, uma prenda de aniversário (minha e do Luís Gaspar). Uma gravação audio do teu poema “Afectos”:



Afectos

Fiquei a saber num destes fins-de-tarde
que se podia estar subnutrido de ternura
e afoguei-me no desânimo que me acenava do horizonte

Caiu-me uma pérola húmida do olhar
pensei apenas em guardar em mim
a saudade das carícias tecidas em silêncio

Não foi possível, acendeste-me o desejo dos teus dedos
apetecia-me beijar-te como quem afaga um charuto com os lábios
vendo subir aos céus o fumo do teu cio

Fiquei a saber numa destas noites de lua cheia
que se podia estar subnutrido de ternura
caiu-me uma pérola húmida do olhar

Apesar de os lobisomens
não se poderem dar ao luxo de cultivar mágoas
nas plantações do estio que passa

Apenas lhes é concedido o grato subterfúgio
de uivar nas trevas como quem urde um poema
às escondidas de Deus

Fiquei a saber numa destas manhãs de trovoada
que o teu corpo era feito de raios e coriscos
e que os teus pais não te deixavam fazer amor sozinha

Por terem medo
dos teus gritos de prazer
na hora de te sentires mulher

Mesmo assim fazias amor sozinha
dispensando-me o teu corpo
em marés de luz

Fiquei a saber numa destas madrugadas de fogo
que a ternura está guardada num baú
disfarçado de cofre à prova de sentimentos

Nessa mesma hora
senti o meu ser
a dissolver-se devagar

Ao longe, muito ao longe
lembro-me de ter sentido um arrepio na alma
como se tivesses pintado o teu sorriso no meu peito

Luís Graça


6 comentários:

Anónimo disse...

Muito obrigado, Inês e Luís.
Foi um belo presente.
Gostei particularmente da piedade com que o Luís me tratou: ao aperceber-se de que estava subnutrido de ternura, trocou os fins-de-tarde do primeiro verso (que são 7 por semana) por fins-de-semana (que são só dois fins-de-tarde). E assim me poupou de ternura subnutrida.
Gostei!
E como este é um poema antigo, tenho a sensação de que a forma final levou um desbaste.
Mas estou com preguiça de ir à procura.
Já estive umas horas no Hotmail a agradecer felicitações do pessoal que sabe que eu sou noctívago e mandou SMS e mensagens via Net.
E também mandei mensagens para os amigos que fazem anos hoje: um foto-jornalista 7 anos mais novo, um guia turístico dois anos mais velho e um médico exactamente da mesma idade.
Também há o Simão Sabrosa, mas com esse não vou à bola.

E podes acrescentar mais um livro aos meus: descobri ontem na Bulhosa das Amoreiras:"A jeito de homenagem a Eugénio de Andrade", das Fólio Edições e 1º de Janeiro.
Um "monstro" de mais de 400 páginas, com mais de 300 poetas participantes, muitos deles meus amigos da Tertúlia "Rio de Prata".

Um trabalho devoto e hercúleo de Montezuma de Carvalho, que teve a ideia de homenagear Eugénio por ocasião dos seus 80 anos.
Houve percalços de vária ordem e o projecto foi-se atrasando. Os poemas foram sendo publicados no "1º de Janeiro", em várias prestações suaves.

E ontem dei com o livro, por acaso. Comecei a folhear e depois apercebi-me que era o tal livro!
O meu poema era de 20/11/2000 e toda a gente glosava o inédito de 5/10/99 de Eugénio, escrito na Foz do Douro, que era assim:


Uma rosa depois da neve.
Não sei que fazer
de uma rosa no inverno.
Se não for para arder
ser rosa no inverso de que serve?

Chama-se "Improviso" e sinto-me muito honrado por ter participado.
Não sou um dos "happy few" porque são mais de 300. Mas "the day is ours".

Anónimo disse...

Luís
Como não nos conhecemos pessoalmente, aqui estou associando-me por esta via, a estas prendas maravilhosas que a Inês Ramos te ofertou, são um “presentão” com amigas assim estás livre do “mau olhado”!!!!! ;-)))))
PARABÉNS!!!!
Acho que o poema por ela escolhido para abrir hoje o Porosidade Etérea tem tudo a ver com a tua poesia, com tudo o que ela alberga e se não houvesse hipótese de ter outro poema teu este era-O, e atrevo-me a dizer, depois do que a Inês aqui diz, que tem tudo a ver Contigo!!!!
Obrigado Luís por seres, vai um ABRAÇO amigo
Joaquim

Anónimo disse...

Obrigado, caro Joaquim.
Agora vou ver o Bayern-Sporting e espero que o Ricardo me deixe subnutrido de frangos.
Mas a esperança de vitória não é muita.
O que nem me afecta nada os afectos.

Anónimo disse...

fiquei a saber neste blog que assim se fazem os poemas de afecto

Anónimo disse...

Ao longe, muito longe...
Transformas o tempo em real, a verdade poética única, o teu talento imutável.
Quero com isto dizer, que descobres como ninguém o amor que nutres pela poesia como se de um longo e inexplicável prazer te tornasses cada vez mais vigoroso. E...rebelde nas tuas palavras que afectivamente enches libidinalmente quem lê os teus poemas.

Parabéns pelo que tens feito pela poesia nacional e também à Inês Santos pela óptima e sincronizada simbiose.

Anónimo disse...

Obrigado, Nuno.
Isso é um bocado exagerado, essa de ter feito algo pela poesia nacional.
Mas é um facto que na poesia satírico-obscena já cheguei ao "You Tube". Disseram-me ontem que há dois clips do Unas a recitar poemas meus do "Cabaret da Coxa".