"A palavra"
A palavra é uma estátua submersa, um leopardo
que estremece em escuros bosques, uma anémona
sobre uma cabeleira. Por vezes é uma estrela
que projecta a sua sombra sobre um torso.
Ei-la sem destino no clamor da noite,
cega e nua, mas vibrante de desejo
como uma magnólia molhada. Rápida é a boca
que apenas aflora os raios de uma outra luz.
Toco-lhe os subtis tornozelos, os cabelos ardentes
e vejo uma água límpida numa concha marinha.
É sempre um corpo amante e fugidio
que canta num mar musical o sangue das vogais.
António Ramos Rosa
Na voz de Luís Gaspar:
3 comentários:
um dia destes também conto colocar um post sobre o Rosa. Este poema tem tudo a ver com talvez o maior tema da sua escrita: o uso da palavra e a sua criação. É de facto um grande poeta este senhor.
:D
optima escolha!
António Ramos Rosa é um poeta que sabe tratar a palavra de forma admirável, correndo depois o risco de se deixar enredar na sua própria teia. Por isso, à magia do som e à beleza da construção frásica segue-se algumas vezes, para o leitor, a frustração de sentir complexa a passagem para o campo do Significado.
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