terça-feira, 27 de setembro de 2011

Novo livro de Tatiana Faia

As Edições Artefacto acabam de editar um livro de poesia de Tatiana Faia.
Chama-se «Lugano» e terá a sua primeira sessão de apresentação no próximo dia 15 de Outubro, pelas 18H00, na Sociedade de Instrução Guilherme Cossoul (Av. D. Carlos I, n.º 61 - 1º, em Lisboa).
O livro será apresentado por Fernando Guerreiro.



PAROS
There is a great heart-break in an evening sea
Lawrence Durrell, "Finis"
I
paros noite caída no mármore
um rumor de mar intranquilo e preso
à sua profundidade silenciosa e salgada
luzes morrendo de um estrépito contra a água
na baía recurva que lembra nau ou sabre
queria que tivesses visto paros o claro
mar de paros e suas brancas ruas arquíloco
de paros em paros mas nada só silêncio

II
paros e as suas ruas claras de agosto
onde fixamente se recorda a tua
austeridade felina cortada por
branco brinco de pérola esquecido entre
o negro dos cabelos noite no mármore
descalço no saibro sandálias da mão pendendo
não um homem apenas o apontamento
de uma hora uma canção bêbada
a mesquinhez quase meiga que guardamos
para estarmos vivos e fechados do mundo
surdos na noite de paros quase ilesos
os cabelos restolhando nos ramos baixos
das oliveiras queria que tivesses visto paros

III
a pobreza de uma ilha fechada na noite
e fechada no mar a sua apolínea face
um rosto de estátua que um gesto de mão
dizendo de ternura talvez pudesse amparar
se um lugar nos pudesse guardar amparo
se o merecêssemos o conquistássemos sem
a frieza amarga de um golpe de garras seria
paros e o seu sorriso de sabre junto ao mar

IV
na íris de azul e púrpura da primavera
perduram os lugares a sul da tempestade
com seus cântaros de barro em limiares
de paredes de cal tenho espera
posta à chuva e há-de encontrar-te
em qualquer estrada distante
um café onde entres a tempestade entre
as oliveiras em paros repete a cena do filme
de ermanno olmi uma cabine de telefone
e algumas moedas a alegria de estar vivo
é uma coisa dispersa se a quiséssemos
enumerar nem tudo seria recordado

V
porque pensámos que seria errado
à vida querer cobrar alguma coisa
mas a verdade é que cobramos sempre
pequenas coisas a tua voz assobia
entre pedras e é um fio cortante
alguém no meio do caminho te chama
e tu viras o rosto pertences a cada coisa
que seja um laço nas cidades da noite
já muito longe do mar contra a tua fronte
quebra-se a distância desarticulada
o que está entre nós e entre nós e as coisas

VI
longa noite no manto da cidade sobre
os ombros estendido algo que está
sobre a mesa uma caneta
esquecida numa lata de chá um livro
um copo vazio na janela coada luz de
azul e prata te traz seguro pela raiz
dos cabelos assim mais uma vez
fitarás a aurora de homero, a de róseos
dedos que em pétalas as horas entreabrem
e o teu olhar mais interrogativo fixa-se
aos pilares da manhã à ideia da primeira
palavra que te força a abrir
as mãos o gesto que falasse de uma pobreza
clara e simples esse desprendimento que
apenas ao de leve nos une ao mundo

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