quinta-feira, 24 de junho de 2010

Um livro de poesia a cada dia...
nem sabe o bem que lhe fazia


Amantes da Neblina
Maria do Sameiro Barroso
Labirinto, 2007







Roseira anónima

Num corpo de flâmulas brilhantes, com o rosto mergulhado
nas cinzas, direi que todo o sangue já se esvaiu,
no coro exangue das borboletas sem norte.

Numa palavra intermitente, entre os mapas, direi apenas
a embriaguez que me cerca, um solo fértil,
na solidão de um caminho antigo,
onde há um movimento que aspira sem cessar.

Nos trilhos presos, um punhado de palavras desconexas,
recolhidas nas galáxias, pode conter os cedros,
o perfume, as razões que são outras, no orvalho que cintila,
pela caminhada breve.

Há que distinguir o silêncio e as golfadas de palavras,
onde a luz, em sua nudez assoma.
Há que distinguir, no som das trevas, na viseira da insónia,
entre o negro e a volúpia, o ardor da morte,
em seu clamor de chamas perfiladas.

Nos trilhos errantes, cumpro a minha vida: os pés brilhantes,
os cabelos obscuros.
Tudo quero dizer, como uma roseira anónima:
o corpo, o sangue, a língua brusca,
coordenadas vagarosas soerguendo-se dos lugares interiores,
invocando a mímica e o silêncio,
nas fontes nocturnas,

coroadas de loureiros sagrados.

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