sexta-feira, 4 de junho de 2010
Um livro de poesia a cada dia...
nem sabe o bem que lhe fazia
A carvão
Fernando de Castro Branco
Comorama, 2009
O brutal acaso de ter nascido
O irremediável é de uma escrupulosa pontualidade.
Sofremos por sofrer, há um masoquismo no amor
que não dispensa o diário cálice de sangue.
Amigos tombados, gente que viveu dentro das nossas veias
de Inverno em Inverno, de diástole em diástole. Trinta anos
de derrotas solidárias, de angústias
divididas, de noites desenhadas no fumo de cigarros
e de palavras. Um dia acordamos
contra o tempo, exilados no futuro com a morte
presa na garganta. A estranha certeza de que para morrer
é necessária a mais absoluta solidão.
O regresso é já o pretexto do poema. A dor,
pintada na lama do Outuno, foge na chuva
com o nosso rosto dentro. Nascemos dessa morte
como quem perde um filho, há uma casa aberta
contra a noite que nos recolhe em seu seio doce.
Já só nós florescendo na desordem, terrífica beleza
do fogo queimando os jardins. Espuma
na orla das palavras. Consolemo-nos apesar de tudo
com o brutal acaso de ter nascido.
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