segunda-feira, 28 de dezembro de 2009
Um livro de poesia a cada dia...
nem sabe o bem que lhe fazia
O Sangue Por um Fio
Sérgio Godinho
Assírio & Alvim, 2009
Os órgãos vitais
Eu tenho que contar com tudo o que há de dentro –
pulmões e suspiros e cérebro e desilusões
intestinos funcionais no sentido lato do termo
risn e fígado à espera do amor breve
bebida a mais muito depressa
consumo mínimo para então conforto máximo.
E todos eles velados pelo irascível
(mas paciente) coração
rei do sopro da vida
e da ventania dos amores
o que julgando que em todos manda
de todos sofre o resultado –
seja aos amores baqueando
seja importando problemas
das outras resoluções do corpo.
Até que uma tarde, manhã, noite
por impulso e por vingança
(aquela que se serve fria)
arrefece e deixa de bater
sem dar tempo aos outros de o chorarem:
eles que em breve estarão
a chorar por conta própria
cada qual para seu lado
renegados e pouco a pouco
sem pavor desaparecidos.
O que foi tido por inesperado e imprevisível
talvez seja apenas a maneira de um todo
se descentrar
fugir à tarefa insanamente por nós mesmos exigida
à nossa pequena parte, já manchada de sangue, sangue
por rectas e curvas da coerência.
O sangue por um fio.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário