domingo, 20 de setembro de 2009

Novidades Colibri

Electri-cidade
Vítor Oliveira Jorge
Edições Colibri, 2009
Colecção: Tribuna Livre - Poesia e Prosa
266 páginas


Sinopse:
O conjunto de textos que compõem este livro foi redigido na cidade do Porto entre Março de 2008 e Fevereiro de 2009, e as primeiras versões dos mesmos estão insertas no blogue do autor http://trans-ferir.blogspot.com A fotografia da capa, obtida em Freixo de Numão, Vila Nova de Foz Côa, é de Leonor Sousa Pereira. Optou-se na ordenação dos poemas (que todos o são, mesmo que se apresentem graficamente sem divisão em versos) pela ordem alfabética dos títulos. A obra, na sua diversidade interna, é unitária, e dá continuidade ao livro Casa das Máquinas, Porto, Papiro Editora, 2008, concebido e organizado nos mesmos moldes deste.

Vítor Oliveira Jorge nasceu em Lisboa em Janeiro de 1948.
Formou-se em História na Faculdade de Letras daquela cidade em 1972.
Desde Setembro de 1974 é docente da Faculdade de Letras do Porto, onde se doutorou em 1982.
Poeta, arquéologo, ensaísta, dirigente associativo, tem tido uma actividade diversificada.


Ler

No meio do verão, ler.
Sobre o sofá fresco do verão, ler.
Com borboletas atravessando as paredes da casa,
Com o verão de beira a beira.

Ler. Estender o corpo, os crisântemos
E as margaridas da imaginação,
Percorrer o soalho dos teus passos
Dirigindo-se de um verão futuro a um verão passado.

Estender a pele. Deixar subir os poros
Entre os pólens das horas, suspensas acima do telhado,
Lá em cima.
Esticar os músculos até aos horizontes do verão,
Acender as lâmpadas do leite fresco.
Fresco e sadio, leite sobre leite.

Espreguiçar a lactose do verão,
Ouvindo ao longe as abelhas a fabricar o mel,

E as avós a fazerem as compotas na cozinha,
Sem jamais virem interromper o livro,
Sem discernirem o presente nos seus óculos redondos,
Inócuas e bondosas como globos.

Atravessar o verão como uma nave,
Uma nave leitora, nua como nuvens brancas e sedosas,
E ouvindo os sons dos anjos cantores
Nas catedrais ao longe, suficientemente longe
Para não interromperem o que se passa,
Este transbordar de papoilas, este esvoaçar de linhas.

E os perfumes do cabelo. Ler no couro cabeludo,
Ler na cintura, nas espáduas, atravessando paredes,
No meio da frescura, erguer os bolbos da mais perfeita
Juventude, alegria.

Ouvindo ao longe as baterias, os risos dos jovens
Indo para a praia.
São os condimentos das compotas, dizem
As avós.
Temos de ir buscar os peixes pelas guelras
Podem estragar-se sobre o molhe.

Sim, mas deixa-os luzir enquanto possível.
Longe. Pedem as margaridas.
E os iogurtes brilhando sobre as mesas,
As gelatinas da leitura tremendo ao de leve
Quando passos do passado vêm atravessar o soalho
Invisíveis, caminhando ainda com areia e peúgas.

É belo, dizem as jarras, podermos assim
Atravessar as paredes, as janelas, as cortinas,
E aparecermos do outro lado de nós mesmas
Impecáveis, limpas, lácteas como o corpo
Da leitura.

Ler. Dobrar as duas pernas sobre o sexo.
E ficar, ficar, ficar, docemente ficar.

Temos de ir buscar os molhos de ramos amarelos
Antes que sequem.

Eis os teus pés. A tua cabeça. Os teus cabelos.
A tua leitura, a possiblidade do verão
Passar sobre as espáduas e continuar num regato
Verde na sua alegria de atravessar a casa

E poder continuar por qualquer lado
E poder ser uma serpente viva, interminável,
Descrevendo as eternas curvas e contra-curvas da leitura.

É belo, dizem os boiões para as avós.
É belo estar na cozinha, dizem os tachos de cobre a brilhar.

Pois que brilhem o mais longamente possível
Que havemos antes de acabar o verão de ir caminhando
Para buscar algo ao alpendre, levando o livro

Para a frente; e arpoar a leitura pelas guelras,
Trazer a sua frescura para as as superfícies de mármore,
O corpo lácteo para a cozinha,

Para o brilho dos boiões, o sabor das avós,
As sombras e os brilhos dos magníficos
Iogurtes.

Sem comentários: