nas pequenas estações de caminho de ferro
quando o último comboio acabou de passar,
as ervas votam a debruçar-se sobre os carris
e os sons do campo retomam o seu império.
os pássaros vêm comer à via
migalhas que os passageiros deixaram
cair das janelas
sobre as pedras, ou sobre as paredes
dos velhos armazéns abandonados,
nervosas lagartixas traçam a sua pista.
paralelo à linha, o rio corre mesmo ao lado,
cheio de luz como um glaciar lento.
milhares e milhares de anos nele se condensam.
no seu mutismo, no lodo escuro
que se depositou no fundo,
misturaram-se sons e ânsias
escorridos das encostas inclinadas.
de cima, do rebordo da eternidade,
uma pedra começa a desprender-se
para mais tarde iniciar a sua queda vertical,
junto à falésia
e chegar lá abaixo dentro de milénios.
agora, apenas a imaginação ouve
um som cavo de violoncelo,
lento, geológico, a traçar a linha curva
da descida.
ou viaja com a despreocupação dos passageiros
que, dentro da carruagem, entram no crepúsculo,
por entre os sons metálicos, familiares,
na evidência prática de terem uma estação de saída,
sem precisarem de carregar na mala
a recordação da paisagem.
Vítor Oliveira Jorge
Na voz de Paulo Rato:
Sem comentários:
Enviar um comentário