domingo, 5 de outubro de 2008

Leitura mundial de Mahmud Darwich





Respondendo ao apelo do Festival Internacional de Literatura de Berlim aqui fica um poema de Mahmud Darwich para nos juntarmos à leitura de poemas deste poeta que acontece hoje, 5 de Outubro, por todo o mundo.

Os pássaros morrem na Galileia

Voltaremos a ver-nos em breve.
Dentro dum ano
ou dois
ou numa geração.
Em seguida ela guardou, precipitadamente, na sua máquina fotográfica
vinte jardins,
os pássaros da Galileia,
e partiu, para além dos mares, em busca
dum novo sentido para a verdade.
— A minha pátria é uma corda de estender roupa
para os lenços de sangue derramado
a cada momento.
E estendi-me na praia,
areia e... palmeiras.

Sobre isso, ela nada sabe.
— Rita! A morte e eu revelámos-te
o segredo da alegria murcha às portas das alfândegas.
A morte e eu renovámo-nos
na tua fronte primitiva
e na tua janela.

A morte e eu, duas faces.
Porque foges agora da minha?
Porquê?
Porque foges do que faz do trigo
os cílios da terra,
do vulcão, um outro rosto de jasmim?
Porque foges?

Sozinho, o seu silêncio fatigava-me de noite,
quando se alongava diante da minha porta
como se fosse a rua... o velho bairro.
Que a tua vontade seja feita, Rita!
Que o silêncio seja machado,
cercaduras de estrelas
ou terreno propício ao nascimento da árvore.
Eu saboreio o beijo
no fio das lâminas.
Vem, adiramos aos massacres!

Como folhas supérfluas,
os enxames de pássaros
caíram no poço do tempo.
E eu recolho as asas azuis.
Rita,
eu sou a pedra tumular da sepultura que cresce.

Rita,
eu sou aquele em cuja carne
as searas cavam
o rosto duma pátria...

Mahmud Darwich
(tradução de Albano Martins)

Neste poema, Rita é a amada israelita, que, desiludida, parte numa viagem em busca da verdade e deixa o poeta para trás. O poema tornou-se numa das canções mais populares da Palestina.


Também podemos ouvir aqui poemas de
Mahmud Darwich ditos pelo próprio poeta.


O poeta Mahmud Darwich morreu no passado dia 9 de Agosto, nos Estados Unidos, aos 67 anos. Um dos mais importantes poetas árabes contemporâneos, a sua actividade literária e política tornaram-no o poeta nacional da Palestina.
Mahmud Darwich nasceu em
Birwa (na Galileia) em 1941. Em 1948 a sua aldeia foi atacada pelos israelitas e os habitantes foram obrigados a partir para o exílio. Aos sete anos Darwich fugiu para o Líbano à procura de notícias da sua família que, no entanto, não conseguiu encontrar. Um ano depois o poeta retornou à Palestina, onde encontrou a sua aldeia totalmente arrasada e ocupada pelos israelitas. Darwich escreveu os seus primeiros textos poéticos quando ensinava na aldeia de Der Al Asad. Foi detido e preso pelos israelitas em diversas alturas ao longo da sua infância e adolescência, tendo mais tarde sido proibido de leccionar no ensino superior. Entretanto, foi para Moscovo em 1970, e para o Cairo no ano seguinte. Desde então organizou várias publicações e centros de pesquisa palestinianos. Foi presidente da Sociedade de Escritores e Poetas Palestinianos e foi várias vezes indicado para o Prémio Nobel.
Em Abril de 1988 o então primeiro-ministro Isaac Shamir iniciou uma ofensiva contra Darwich devido ao seu poema "Aqueles que passam entre as palavras passageiras", que, segundo Shamir era "a expressão exacta dos objectivos do bando de assassinos organizados debaixo do guarda-chuva da OLP". Na verdade, o poema é um pedido dirigido aos israelitas para que deixem as terras ocupadas.
Em Abril de 2002 o exército israelita atacou e destruiu o Centro Cultural Jalil Sakatini (Ramallah), dirigido por Darwich. Antes, o edifício tinha sido saqueado pelas forças militares de Israel que levaram arquivos, documentos e obras de arte e a seguir o destruíram com explosões de cargas de dinamite. O edifício também era sede da prestigiosa revista literária palestiniana Al Karmel, também dirigida por Darwich. Horas mais tarde a operação continuou com a invasão da casa do poeta, que residia em Paris, onde continuava a editar a revista literária Al Karmel.
Com livros traduzidos em mais de 20 idiomas e vários prémios internacionais, Mahmud Darwich é o autor da Declaração de Independência Palestiniana, escrita em 1988 e lida por Iasser Arafat quando declarou unilateralmente a criação do Estado Palestiniano.
Darwich ganhou notoriedade ainda nos anos 60, com a publicação do seu primeiro livro "Pássaro sem asas", uma colectânea de poemas que inclui "Bilhete de Identidade". Escrito na primeira pessoa, o poema descreve o momento em que um árabe fornece os números do seu documento de identificação numa barreira israelita, na tentativa de retornar à sua terra.


Bilhete de Identidade

Escreve!
Sou árabe
e o meu bilhete de identidade é o cinquenta mil;
tenho oito filhos
e o nono chegará no final do Verão.
Vais zangar-te?

Escreve!
Sou árabe.
Trabalho na pedreira
com os meus companheiros de infortúnio.
Arranco das rochas o pão,
as roupas e os livros
para os meus oito filhos.
Não mendigo caridade à tua porta,
nem me humilho nas tuas antecâmaras.
Vais zangar-te?

Escreve!
Sou árabe.
Sou um homem sem título.
Espero, paciente, num país
em que tudo o que há existe em raiva.
As minhas raízes,
foram enterradas antes do início dos tempos
antes da abertura das eras,
antes dos pinheiros e das oliveiras,
antes que tivesse nascido a erva.

O meu pai descende do arado,
e não de senhores poderosos.
O meu avô foi lavrador,
sem honras nem títulos,
e ensinou-me o orgulho do sol
antes de me ensinar a ler.
A minha casa é uma cabana,
feita de ramos e de canas.
Estás feliz com o meu estatuto?
Tenho um nome, não tenho título.

Escreve!
Sou árabe.
Roubaste os pomares dos meus antepassados
e a terra que eu cultivava com os meus filhos;
não me deixaste nada,
apenas estas rochas;
O governo vai tirar-me as rochas,
como me disseram?

Escreve, então,
no cimo da primeira página:
a ninguém odeio, a ninguém roubo.
Mas, se tiver fome,
devorarei a carne do usurpador.
Tem cuidado!
Cuidado com a minha fome,
Cuidado com a minha ira!

Mahmud Darwich

بطاقة هوية


!سجِّل

أنا عربي

ورقمُ بطاقتي خمسونَ ألفْ

وأطفالي ثمانيةٌ

!وتاسعهُم.. سيأتي بعدَ صيفْ

فهلْ تغضبْ؟

!سجِّلْ


أنا عربي

وأعملُ مع رفاقِ الكدحِ في محجرْ

وأطفالي ثمانيةٌ

أسلُّ لهمْ رغيفَ الخبزِ،

والأثوابَ والدفترْ

من الصخرِ

و لا أتوسَّلُ الصدقاتِ من بابِكْ

ولا أصغرْ

أعتابكْ أمامَ بلاطِ

فهل تغضب؟


!سجل

أنا عربي

لقبِ أنا إسمٌ بلا

صبورٌ في بلادٍ كلُّ ما فيها

يعيشُ بفورةِ الغضبِ

...جذوري

قبلَ ميلادِ الزمانِ رستْ

وقبلَ تفتّحِ الحقبِ

وقبلَ السّروِ والزيتونِ

وقبلَ ترعرعِ العشبِ

أبي... من أسرةِ المحراثِ

لا من سادةٍ نجبِ

وجدّي كانَ فلاحاً

بلا حسبٍ.. ولا نسبِ

يعلّمني شموخَ الشمسِ قبلَ قراءةِ الكتبِ

وبيتي كوخُ ناطورٍ

منَ الأعوادِ والقصبِ

فهل ترضيكَ منزلتي؟

!أنا إسمٌ بلا لقبِ


!سجل

أنا عربي

ولونُ الشعرِ.. فحميٌّ

ولونُ العينِ.. بنيٌّ

:وميزاتي

على رأسي عقالٌ فوقَ كوفيّه

وكفّي صلبةٌ كالصخرِ

تخمشُ من يلامسَها

:وعنواني

أنا من قريةٍ عزلاءَ منسيّهْ

شوارعُها بلا أسماء

وكلُّ رجالها في الحقلِ والمحجرْ

فهل تغضبْ؟


سجِّل

أنا عربي

سلبتَ كرومَ أجدادي

وأرضاً كنتُ أفلحُها

أنا وجميعُ أولادي

ولم تتركْ لنا... ولكلِّ أحفادي

...سوى هذي الصخورِ

فهل ستأخذُها حكومتكمْ.. كما قيلا!؟

! إذن!

سجِّل.. برأسِ الصفحةِ الأولى

أنا لا أكرهُ الناسَ

ولا أسطو على أحدٍ

ولكنّي... إذا ما جعتُ

آكلُ لحمَ مغتصبي

حذارِ.. حذارِ.. من جوعي

!! ومن غضبي


محمود درويش


Em Portugal, a editora Campo das Letras publicou em 2002 o livro "O Jardim Adormecido e Outros Poemas", com selecção e tradução de Albano Martins. Os poemas deste livro foram extraídos dos volumes "La terre nous est étroite et autres poèmes" (antologia organizada pelo próprio poeta, antecedida de um prefácio inédito do autor, publicada, em 2000, pela editora Gallimard), "Plus rares sont les roses" (Les Éditions de Minuit, 1989) e "Poèmes palestiniens" (Les Éditions du Cerf, 1989).

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