sexta-feira, 5 de setembro de 2008

As vossas quadras

Ao pedir-vos, desta vez, que me enviassem quadras populares, pensei que, por ser Agosto, poucos iriam participar. Enganei-me redondamente. Apesar da época estival, os entusiastas etéreos pegaram nas canetas (ou teclados), puxaram pela inspiração e... Vai disto! Quadras para que te quero!
Mesmo sem manjericos, que os Santos Populares já lá vão. E estão todos de parabéns!
Conforme o prometido, aqui ficam todas as quadras que chegaram ao porosidade etérea até ao dia 31 de Agosto (quase 100).
Nem todas são quadras, vieram também quintilhas e sextilhas. Mas aí estão todas para vosso deleite (dos que participaram e dos que apenas visitam este espaço). Há quadras para todos os gostos: de amor, de desamor, de maldizer, de crítica social...
A elevada (e entusiasta) participação neste desafio levaram a que fizesse uma ligeira alteração ao que inicialmente prometi (escolher 3 quadras para três categorias), pelo que todos os participantes terão pelo menos uma quadra vencedora (e gravada em audio pelo locutor Luís Gaspar), assinaladas a azul.
Obrigada a todos, divirtam-se tanto quanto eu a lê-las (e o Luís Gaspar, no estúdio, a gravá-las) e... até ao próximo desafio.


Fernando Santos:

“O quadrado solto das quadras!...”

Onde a maré se esvai
Em ondas pérfidas de sonhos
É como a esperança que cai
Nos poemas que compomos!...

Onde a rua sem sentido
Se fecha na escuridão
É como um pobre mendigo
Que tem como cama, o chão!...

Onde o luar se estende
Nas noites cheias de Agosto
É como alguém que pretende
Comer fruta a seu gosto!...

Onde a mentira é dita
Com tanta desfaçatez
Torna a verdade maldita
E o crime, a honradez!...

Onde a vida já passada
Por quem já tudo perdeu
É a saudade cantada
Da vida que já morreu!...

Onde o vinho é coisa linda
Arrancado da videira
Bebido de forma infinda
Faz mal e dá bebedeira!...

Onde procuro a amizade
Torno o homem meu irmão
Que importa a caridade,
Quando não existe perdão?!...

Onde o Outono das ruas
Torna a paisagem amarela
Com folhas caídas e nuas,
Qual quadro de aguarela!...

Onde bebo o teu olhar,
Em malgas de desejo ardente,
É todo o meu ser a cantar
Nosso amor, sempre presente!...

Onde o poeta é fadado
Para com tudo sofrer,
Não é pobre, nem desgraçado
É um poeta a valer!...

Onde a plena ilusão
Faz do tempo uma corrida,
Só lavra a competição,
Nos campos da nossa vida!...

Onde a noite é poética e pensativa
E nesta sala se ouvem poetas a trovejar,
Seus poemas com linguagem vestida
De sonhos de encantar!...

Onde sonhar é algo de assombroso,
É não esperar só meditando,
Onde sonhar é algo de ditoso,
Onde sonhar é ser-se livre. Até quando?!...

Os hossanas esquecidas
Dos tempos que já lá vão,
Foram pétalas despidas
Pelas noites de verão!...

E o que sente o mendigo
Quando inventa aconchego,
Sonhando com amor e perdão?!...
Ele dorme com o perigo,
Ele cobre-se com o medo,
Ele é pessoa, ele é gente,
Manto invisível e presente,
Do seu triste coração!...

Onde tudo gira a esmo,
Com injustiças aos picos,
Os pobres, são pobres mesmo

Enchendo a pança dos ricos!...


Quando este grito de jus,
A humanidade escutar,
É como um raio de luz,
A verdade anunciar!...

Quando o verão for o lume
Que aquece o coração,
É o fim do azedume
Todo o homem é nosso irmão!...

Quando a vida só é parda,
E o nosso ser, uma nascente,
Somos uns grãos de mostarda
Na vida de toda gente!...

Vai longo este poema
Nesta noite de Verão
Escrevi com esta pena
Ditames do coração!...

......................


Eusébio Tomé:

Ó Rio Tejo remansoso
que em Lisboa te deitas
ondula, não sejas sonso
e faz-te um mar às direitas

Esta Lisboa sem fundo
ouve agora línguas outras

é cidade com mais Mundo

é moça com muitas roupas


Eu queria ser alfacinha
e da gema abro mão
nasci na santa terrinha
como tantos que já o são

......................


Ilona Bastos:

“Numa noite de luar”


Ligo a minha à tua alma
Numa noite de luar.
Tu, lá longe, tão distante…
Eu aqui, só, a sonhar.

Vejo a lua, face bela,
Que te espelha, meu amor.

Tu, lá longe, tão distante…

Olha a lua, por favor!


E do luar faz-se ponte
Que atravessa a escuridão.
Corre lépida, minh’alma,
A pousar na tua mão.

Suave luz, ténue lanterna,
Que te acorda a esperança.
Corre lépida, minh’alma,
A voar qual pomba mansa.

E fica linda a lua cheia,
Numa noite de luar -
Estão unidas nossas almas
Que se encontram para amar.

......................

Adauto Suannes:

Fazer verso em ti pensando
coisa mais fácil não há:
abro o peito e vou mostrando
tudo o que existe por lá.


“Olhares”

Pode haver coisa mais bela,
mais expressão de carinho
que o olhar da mãe que vela
o sono do seu filhinho?

Noite escura, sem luar;
todo um breu o firmamento.
O farol do teu olhar
me atirou no acostamento.

Esse teu olhar furtivo
- bandoleiro atocaiado -

fez de mim um morto-vivo:

inda em pé, mas fulminado.


......................

Helena Domingues:

Quem se crê mui sabedor
Do que consta a alheia vida
Depressa cai no error
De ficar desiludida

Cada um sabe de si
Mais que outro de si sabe

Não invente ou adivinhe

Um saber que não lhe cabe


Em Momentos de paixão
De outro, todo o mal se diz
Mas não tenha a ilusão:
São palavras, são ardis

Nem tudo o que lhe é dito
Corresponde à verdade
Por razões que não emito
Vira a Luz obscuridade

Assim

Quem exprime seu julgamento
Pela palavra escutada
Tem pouco discernimento
Mais valia estar calada

......................


Jorge Castro:

Dás-me o teu braço de amigo
Por este meu que te ofereço
E nesse abraço te digo
Ser amigo não tem preço

Preto branco ou amarelo
Vermelho até por rubor
Certo é ficar mais belo
O mundo com tanta cor

Se de manhã mal acordas
Queres ter no dia alegrias
Vê lá bem se te recordas
De dar ao dia os bons-dias

Dou-vos de mim quanto posso
Mas de mim tudo não dou

Pois se eu todo for só vosso

Não serei mais quem eu sou


......................


Julião Bernardes:

“Quadras do tempo que passa”

Eis a globalização!
Tudo se faz mais depressa:
Não precisa forno o pão
Nem do Ramalho o Eça.

Vai-se da escola à política
E do direito a juiz;

Há quem nasça a fazer crítica

Sem perceber o que diz.


Vive-se o maior romance
Que o amor já concebeu;
Passado um mês, num relance,
Outro grande amor nasceu.

E sem dar tempo a que a vida
Duas vidas entrelace
No tempo de meia vida
Quantos amores em trespasse!...

Foi-se o tempo dos valores,
Da vida sedimentada;
Dele restam só vapores,
Uma lembrança, mais nada.

Neste tempo de viragem
Vive tudo em confusão:
Orçamento em derrapagem,
Desfalques e corrupção.

Vive-se hoje a possuir…
Mas a posse não liberta;
Quem dá valor ao sentir
Viverá na conta certa.

Que por trás da evidência
Oculta-se a Realidade
E só nela a existência
É total tranquilidade.

Que fazer do sentimento?
Mantê-lo em lume brando
E partilhá-lo no tempo
Que o corpo vai desnudando.

E eu, um pobre animal,
Só quero viver em paz
Nesta certeza frugal
De que o que faço me faz.

Cada um, um dia, a rodos,
A vida descobrir há-de
A ver-se um e ser todos
Em total humanidade.

......................


Fernando Pinto Ribeiro:

“Madrigal em despedida”
.................................... para a Alice Fergo

Dos meus olhos não escondas
que se acendem no teu rosto:
a chama que acende as ondas
vem dos beijos do sol-posto

quando embalo e me adormecem
saudades em pesadelos
teus desejos amanhecem
no luar dos meus cabelos

o adeus do teu sorriso
é a luz a que me aqueço:

no teu corpo me eternizo

quando do meu me despeço.


......................


Teresa Gonçalves:

Dizem: Que todo o poeta
ao escrever um poema,
tece letras de festa
da maior à mais pequena.

Está na moda ser ladrão.
O que é muito natural…

Se o curso da formação

é bem pago em Portugal…


......................


Sérgio Figueiredo:

Nos picos de um Sol escaldante
vejo corpos desnudados.
Entre Misses e Matrafonas,
esqueléticos e gordalhudos,
há sempre o desejo nas ondas...
de mergulhos e frescuras.

De branquinhos a vermelhões,
fruto de grandes escaldões.

Em vez de levarem os cremes,

apostaram nos garrafões.

E um copinho... Bebes?


........................


Myriam Jubilot de Carvalho:

O coração das guitarras
chora dores, chora amanhãs.
Chora lágrimas de sangue
– São todas minhas irmãs
(1982)

“Aleixo”
Como nasci cantador
Ainda não sei. Todavia,
De tanta falta de amor
Eu faço a radiografia
(1983)

A esperança é do tamanho
De uma caixa de correio

– Nasce todas as manhãs

Com a carta que não veio
(1983)

Ainda vibra o meu peito?
Vibra e pulsa, sente e chora
– Barcaça fora do leito
Já não distingue a aurora
(1983)


“O Fado da Amizade”

Tenho amigos? Não sei bem,
tenho pudor de os procurar.
Uns procuro-os – não estão lá,
outros estão – para me enganar

A amizade é um odre
que se deve analisar,
Não ter medo, se está podre.
E depois, pô-la a andar.

O conceito de trabalho,
de uns para os outros é diferente:
Eu sei sempre quando falho;
Ela, então, acerta sempre

Preciso tanto de Amigos,
como, às vezes, de comer.
Cada vez ando mais só
– e isto é duro de roer

És useira e vezeira,
tudo tentas me impedir.
– Não vês que tudo isso ignoro
e continuo a existir?

E então se te faz sombra
eu ser tal qual como sou
– Arruma-te a outra árvore!
É o conselho que te dou
(1983)


“Fado corrido”

Estas quadras são tão lindas
que me pasmo só de vê-las
Estas reuniões infindas
fazem-me descer… às estrelas!

Para terminar eu penso
numa bela conclusão
Tenho uma ferida em suspenso
a nadar num furacão

Estas quadras mal paridas
saíram na hora H
Não curam nenhumas feridas,
que curativos, não há

Dói-me muito estar sem veia,
sem temas inovadores.
Perdes tempo? Não me leias
Boas noites, meus senhores

Boas noites, meus senhores,
tempo perde quem me lê.
– Há coisas muito melhores
nas novelas da TV!
(1983)


“Tão erecto”

“É importante! E é útil.”
“É pertinente, é sagaz.”
– És discipiente, e fútil!
Tão erecto – e incapaz
(1983)

O conceito de trabalho,
de uns para os outros é diferente:
Eu sei sempre quando falho;
Ela, então, acerta sempre
(1983)

Actos, cactos, reacções
Factos, fotos, folestrias
Sexos, nexus, plexus. Ões.
Mortis, mortem. Anorexias
(1983)

O sol queima,
o amor é louco.

Braz & Braz

e Paga-Pouco.

(1983)

A Linguística é uma ova,
a linguagem, social.
A editorial Inova
tanto andou, que acabou mal.
(1983)

Finca-pé,
finca-pé
Beba trincas:
e água-pé.
(1983)

Para vencer na vida,
hermão,
perde-se a Vida

e o coração.

(1983)

Os aviões voam alto
Os corações voam muito
Os ladrões fazem assaltos
E os frades não dão fruito
(1983)

A besta reaccionária
Está à Esquerda, e à Direita:

É, na essência, ordinária

Sob aparência escorreita

(1983)


“Peoa”

As árvores morrem de pé
Os peões, na passadeira
Digam-me lá quem é
Que suporta esta sujeira

De pé morrem as árvores
Eu não perco o tempo todo
Ligo à terra, enquanto falam,
Não me afundo neste lodo
(1983)

“Quadras mesmo populares”

Achei um colar de estrelas
ao passar da ribeirinha
Nem te conto, vou escondê-las
em cima duma pedrinha

Este anel de diamantes
só contigo o reparti
Não queiras metais sonantes
– A vida não está aí

O mar enrola na areia
A vida enrola no mar
Eu enrolo-me na vida,
sempre pronta para te amar

Num dia corri o mundo,
aqui voltei à noitinha
Ó meu amor, meu amor,
não há boca como a minha

O mal de amores não tem cura,
nem a tua ingratidão

Eu dou-te a minha ternura,

tu partes-me o coração


As árvores morrem de pé
As pombas morrem voando.
Os sonhos duram, se duram,
E depois, vão acabando

O meu amor diz que vinha
Quando a lua viesse
Não é como as andorinhas
Nunca mais ele aparece

Nestas quadras que te deixo
se encerra muita verdade
A água, de seixo em seixo,
canta canções de saudade
(1982)


* * *

E agora, as vencedoras:


Categoria: Amor

o adeus do teu sorriso
é a luz a que me aqueço:

no teu corpo me eternizo

quando do meu me despeço.

Fernando Pinto Ribeiro

.............................


Categoria: Desamor

O mal de amores não tem cura,
nem a tua ingratidão

Eu dou-te a minha ternura,

tu partes-me o coração

Myriam Jubilot de Carvalho

..........................


Categoria: Escárnio e Maldizer

De branquinhos a vermelhões,
fruto de grandes escaldões.
Em vez de levarem os cremes,

apostaram nos garrafões.

E um copinho... Bebes?
Sérgio Figueiredo

............................


Categoria: Crítica social

Onde tudo gira a esmo,
Com injustiças aos picos,

Os pobres, são pobres mesmo

Enchendo a pança dos ricos!...

Fernando Santos

Vai-se da escola à política
E do direito a juiz;

Há quem nasça a fazer crítica

Sem perceber o que diz.

Julião Bernardes

Está na moda ser ladrão.
O que é muito natural…

Se o curso da formação

é bem pago em Portugal…

Teresa Gonçalves

A besta reaccionária
Está à Esquerda, e à Direita:

É, na essência, ordinária

Sob aparência escorreita

Myriam Jubilot de Carvalho

.........................


Categoria: Lisboa

Esta Lisboa sem fundo
ouve agora línguas outras

é cidade com mais Mundo

é moça com muitas roupas

Eusébio Tomé

.............................


Categoria: Humor

Esse teu olhar furtivo
- bandoleiro atocaiado -
fez de mim um morto-vivo:

inda em pé, mas fulminado.

Adauto Suannes

O sol queima,
o amor é louco.
Braz & Braz

e Paga-Pouco

Myriam Jubilot de Carvalho

Para vencer na vida,
hermão,

perde-se a Vida

e o coração

Myriam Jubilot de Carvalho

....................


Categoria: Saudade

Vejo a lua, face bela,
Que te espelha, meu amor.

Tu, lá longe, tão distante…

Olha a lua, por favor!

Ilona Bastos

A esperança é do tamanho
De uma caixa de correio

– Nasce todas as manhãs

Com a carta que não veio

Myriam Jubilot de Carvalho

...................


Categoria: Sabedoria popular

Cada um sabe de si
Mais que outro de si sabe

Não invente ou adivinhe

Um saber que não lhe cabe

Helena Domingues

Dou-vos de mim quanto posso
Mas de mim tudo não dou

Pois se eu todo for só vosso

Não serei mais quem eu sou

Jorge Castro


4 comentários:

Anónimo disse...

Bom dia Inês
De facto, é surpreendente a adesão ao teu desafio!
E que belas quadras surgiram.
As minhas deram-me muito gozo escrever, e desde já te agradeço a sua publicação.
Só tenho pena de não as ouvir ditas pelo Luís. Mas desde que mudei para o VISTA, o sistema sonoro não é compatível.
Beijinhos
Nucha

Menina Marota disse...

Parabéns a TODOS!!

Um especial agradecimento a ti, Inês e ao Luís Gaspar pela leitura das quadras.

Um abraço carinhoso e bom fim de semana ;))

Menina Marota disse...

Espero que não te importes que tenha "levado" as quadras vencedoras.
Se mail alguém tiver blogue e quiser indicar os endereços, eu coloco no meu...

Beijinhos

tecas disse...

Boa tarde, amiga Inês.A maior vencedora, sem dúvida, que é a Inês,ao dar espaço a todos os participantes. Para si, Menina Marota e Luis Gaspar, um bem haja e votos de um bom fim de semana.
Um xi coração poético a todos.
Bji.