domingo, 23 de setembro de 2007

Na estante de culto






“O Poeta Nu”

Jorge de Sousa Braga
[Poesia reunida]
Assírio & Alvim, 2007


Jorge Sousa Braga nasceu em 1957, em Vila Verde, é médico e vive no Porto. Os seus cinco primeiros livros de poesia, publicados nos anos oitenta, foram reunidos em “O Poeta Nu” (editora Fenda) em 1991 e em 1999 (2ª edição).
Este “O Poeta Nu” publicado este ano, suprime da primeira edição “Herbário” (1999) e acrescenta um livro de inéditos.
É sempre com prazer que se lê Jorge de Sousa Braga. Pela nota irónica e surrealista. Pela provocação. Pelas palavras que parecem violentas mas que mais não são do que uma enorme ternura perante o mundo. A sua poesia sempre revelou uma criatividade notável, desde o primeiro livro “De Manhã Vamos Todos Acordar Com Uma Pérola No Cu”, (1981). Não é à toa que Jorge de Sousa Braga tem vindo a ser a grande referência de muitos jovens poetas (e menos jovens também).
Jorge Sousa Braga, para além de poeta, traduziu para português poemas de Jorge Luís Borges, Matsuo Bashô, Li Po e Appolinaire.
Organizou também a antologia “ O Vinho e as Rosas” (1995).


Portugal

Portugal
Eu tenho vinte e dois anos e tu às vezes fazes-me sentir
como se tivesse oitocentos
Que culpa tive eu que D. Sebastião fosse combater os infiéis ao norte de África
só porque não podia combater a doença que lhe atacava os órgãos genitais
e nunca mais voltasse
Quase chego a pensar que é tudo mentira, que o Infante
D. Henrique foi uma invenção do Walt Disney
e o Nuno Álvares Pereira uma reles imitação do Príncipe Valente.
Portugal
Não imaginas o tesão que sinto quando ouço o hino nacional
(que os meus egrégios avós me perdoem)
Ontem estive a jogar póker com o velho do Restelo
Anda na consulta externa do Júlio de Matos
Deram-lhe uns electrochoques e está a recuperar
aparte o facto de agora me tentar convencer que nos espera um futuro de rosas
Portugal
Um dia fechei-me no Mosteiro dos Jerónimos a ver se contraía a febre do Império
mas a única coisa que consegui apanhar foi um resfriado
Virei a Torre do Tombo do avesso sem lograr encontrar uma pétala que fosse
das rosas que Gil Eanes trouxe do Bojador
Portugal
Se tivesse dinheiro comprava um Império e dava-to
Juro que era capaz de fazer isso só para te ver sorrir
Portugal
Vou contar-te uma coisa que nunca contei a ninguém
Sabes
Estou loucamente apaixonado por ti
Pergunto a mim mesmo
Como me pude apaixonar por um velho decrépito e idiota como tu
mas que tem o coração doce ainda mais doce que os pastéis de Tentugal
e o corpo cheio de pontos negros para poder espremer à minha vontade
Portugal estás a ouvir-me?
Eu nasci em mil novecentos e cinquenta e sete e Salazar estava no poder nada de ressentimentos
O meu irmão esteve na guerra tenho amigos que emigraram nada de ressentimentos
Um dia bebi vinagre nada de ressentimentos
Portugal depois de ter salvo inúmeras vezes os Lusíadas a nado na piscina municipal de Braga
ia agora propor-te um projecto eminentemente nacional
Que fossemos todos a Ceuta à procura do olho que Camões lá deixou
Portugal
Sabes de que cor são os meus olhos?
São castanhos como os da minha mãe
Portugal
gostava de te beijar muito apaixonadamente
na boca

Jorge Sousa Braga


Na voz de Luís Gaspar:

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