segunda-feira, 10 de setembro de 2007

A MORTE CONVIDOU-TE P'RA DANÇAR
MAS TU É QUE ESCOLHESTE O RITMO

O dia está cinzento
como cinzentos podem ser
os dias em Setembro

Mas nesta alma eu sinto
o negro de um corvo
com cara de bastardo

E um bico voraz
afiado, canalha
à espera da tua carne

Disseram-me assim
como quem encolhe os ombros
que tinhas partido há três ou quatro dias

Certamente a rir, como sabias rir
sorriso a flutuar por entre nuvens de fumo
e o gozo muito teu de seres quem eras

Dizem que o tabaco te matou
mas o cigarro era muito mais que vício
era poema, era o amigo, o confidente

Os médicos ameaçavam-te fraternos
e tu, trocista, ouvias e sorrias
e dizias que não ligavas pevas ao assunto

Olhaste a morte nos olhos e disseste-lhe
"Aqui estou, minha puta, vem buscar-me
há muito tempo que estou à tua espera"

E partiste sentado no lugar que escolheste
em 1ª Classe, no Expresso do Oriente
com paragem na Biblioteca de Alexandria

Obviamente, num compartimento
exclusivamente destinado a fumadores
e a homens com sentido de humor



Em memória do meu amigo Álvaro Garcia Fernandes, tradutor, dicionarista, homem de letras, e um grande ser humano. Nasceu no Porto, num dia 24 de Abril, morreu na alvorada de Setembro de 2007.
Morava na Rua do Bom Sucesso e era paragem obrigatória nas minhas visitas ao Porto.
A última das quais em Março. Do Hotel Douro à sua casa (Rua do Bom Sucesso, na Boavista) era um pulinho. Até por isso escolhi ficar na Boavista. Para estar perto dele e do Holmes Place do Bessa.
Sei que levaste contigo alguns dos livros que te dei. Isso me deixa feliz.


Homenagem de Luís Graça,
10 de Setembro de 2007

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