Neste dia sem luz que me anoitece,
Que me sepulta inteiro,
Até de mim a minha dor se esquece
Para que eu seja um morto verdadeiro.
Chove tristeza fria no telhado
Do castelo do sonho; nua, nua
A calçada que subo, já cansado
De tanto andar perdido nesta rua.
Duma olaia caiu, morta, amarela,
Qualquer coisa que foi princípio e fim;
E bem olhada, bem pensada, é ela
Aquela folha que lutou por mim...
Sozinho e morto ouço cantar alguém,
Mas é longe de mais a melodia...
E o ouvido que vai nunca mais vem
Trazer-me a luz que falta no meu dia.
Miguel Torga
Na voz de Luís Gaspar:
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