Quem conhece... Judith Teixeira?
Judith Teixeira nasceu em Viseu em 1880. Começou a escrever na adolescência "versos ingénuos, que guardava", (segundo palavras suas) e apareceu no "Jornal da Tarde" com composições em prosa que assinava com pseudónimo.
Do seu nome verdadeiro, só haveria notícia em 1922, quando escreveu a maior parte dos poemas que haveriam de ser incluídos nos seus livros "Decadência" e "Castelo de Sombras", publicando também poemas na revista "Contemporânea".
O livro "Decadência" saiu em Fevereiro de 1923. Em Março do mesmo ano, o Governo Civil de Lisboa apreendeu este livro de Judith, assim como as "Canções" de António Botto e "Sodoma Divinizada" de Raúl Leal, depois da polémica instalada após a publicação destes livros, apelidados de "imorais", que levaram uns quantos estudantes católicos sedentos de mão pesada, a queixar-se contra a "literatura dissolvente" que "corroía a moral e os costumes". Os livros foram queimados e Judith apelidada de "desavergonhada". Fernando Pessoa tomou posição em defesa dos amigos Botto e Leal. De Judith, não mais se falou na altura. Em Junho do mesmo ano, Judith publicou "Castelo de Sombras", constituído por 24 poemas datados de sexta-feira de paixão de 1921 a Abril de 1923. E em Dezembro do mesmo ano, resolveu editar novamente "Decadência". Durante o ano de 1925, Judith escreveu a maior parte dos poemas que iria publicar no livro "Nua", em 1926. Entretanto, editou e dirigiu a revista "Europa". O livro "Nua" foi anunciado pelo poema "A cor dos sons", publicado na revista "Contemporânea", n.º11. Em Junho, já com o livro à venda, sairia no jornal "Revolução Nacional", (jornal de propaganda da ditadura onde se insultavam os directores de quase todos os outros jornais), um texto onde era referido o livro "Nua" de Judith, como "uma das vergonhas sexuais e literárias" e apelidados os seus poemas de "versalhadas ignóbeis". Marcelo Caetano escreveria ainda, no jornal "Ordem Nova" (de que era fundador e redactor), que tinham aparecido nas livrarias uns livros obscenos, apelidando Judith de desavergonhada, e onde se vangloriava pela cremação dos livros dela, de Leal e de Botto, a que chamava de “papelada imunda, que empestava a cidade”. Judith Teixeira, depois de enxovalhada publicamente, ridicularizada, apelidada de lésbica e caricaturada em revistas, defendeu-se e contra-atacou na conferência "De Mim", cujo texto se apressou a editar. Sete meses depois, publicou "Satânia", enfrentando tudo e todos.
Depois desta data, Judith assinou raras colaborações. Em 1928 publicou o "Poemeto das Sombras" na revista "Terras de Portugal" e depois disto, não se ouviria dela nem mais uma palavra. Depois de totalmente esmagada pela moral vigente, viu-se em 1927 sentenciada de "morte artística" pela mão de José Régio, que diria: "Todos os livros de Judith Teixeira não valem uma canção escolhida de António Botto". Depois disto, sabe-se que terá saído do país e que se terá calado para sempre uma voz tão incisivamente dedicada à agitação.
Judith morreu em 1959. Mais tarde, em 1977, António Manuel Couto Viana ressuscitava o nome de Judith Teixeira ao dedicar-lhe uma memória no volume "Coração Arquivista" onde se interrogava porque teriam sido as poesias de Judith votadas ao silêncio e à ignorância das mesmas. Judith Teixeira é ainda hoje praticamente desconhecida e continua a não estar representada em qualquer antologia. Fala-se ainda hoje da polémica da "literatura de sodoma" de Botto, Leal e Pessoa, e omite-se aquela que viu igualmente um livro seu em labaredas e que foi o mais perseguido e enxovalhado dos poetas modernistas. Uma excepção para a Editora "&etc", que, em 1996 resolveu editar os poemas de Judith Teixeira, (com pesquisa, organização e bibliografia elaborada por Maria Jorge e Luís Manuel Gaspar), com o objectivo de reparar a injustiça de tal silêncio a que esta poetisa vanguardista dos anos 20 foi votada todos estes anos.
Foi também com agrado que descobri recentemente, um blogue totalmente dedicado a Judith Teixeira, aqui.
“Poemas”
Judith Teixeira
Edição & etc
(1996)
Capa de Luís Manuel Gaspar
Recomendo. E deixo-vos com um poema deste livro:
A mulher do vestido encarnado
Ameigam teu corpo airoso
requebros sensuais,
e o teu perfil
felino e vicioso
diz-nos pecados brutais?
– Paixões preversas
onde o crime é gozo!
Carne que a horas se contrata,
e onde a tísica já fez guarida;
– vendida por suja prata
em tanta noite perdida…
Ó farrapo de luxúria
que acendes quentes desejos
até à fúria,
na febre de longos beijos!…
Perderam-se tantas, tantas
mocidades
nos teus olhares diabólicos,
que nem tu já sabes quantas!
E ninguém te perguntou
ainda, mulher perdida
que desgraçado amor foi esse
que te arrastou
a essa vida, negra vida!
E às vezes,
cuspindo sangue
em noites de guitarrada,
a tua boca tão mordida,
cantando, à desgarrada,
fala do amor crueldade
– um amor todo ruína,
uma amor todo saudade!
Ó farrapo de luxúria
que acendes quentes desejos
até à fúria,
na febre de longos beijos!
Outubro
1922
7 comentários:
Inês
Este é Livro de Culto na minha Estante de Culto...
Não deixa de ser singular que tenha sido um poeta não poucas vezes identificado com a direita conservadora, Couto Viana, quem lhe vai dar o reconhecimento das suas “poesias merecedoras de melhor sorte do que o silêncio, a ignorância, a que têm estado votadas”, como tão bem destacas no teu texto...e depois, claro, só podia ser a &etc a dar a lume este livro!!!
O Scriptorum final no livro é notável para percebermos bem os meandros da censura e da “lusa-misogenia” como diz V.S.T. no final do Prefácio que “logrou sepultar” "uma mulher e uma artista."
Permite-me que deixe aqui um pedaço do poema “Sinfonia de Amor” recolhido a pags.149 deste Livro de Culto
Hei-de arrancar
dos páramos do céu
essa hóstia de oiro refulgente!
E passá-la da minha boca
rútila e criminosa
para a tua boca esfíngica
e indiferente,
numa lúcida
e expressiva
comunhão!...
Como se em carne viva
eu te desse o meu próprio coração.
E será então
que o teu corpo raro
de vencido
há-de tombar sob a ânsia viva
do meu querer...
o teu corpo
endoidecido
em loucas vibrações
de sangue e seda,
em labareda,
...sob a garra feroz das minhas sensações!
Estio Noite
1925
desconhecia o blog EVROPA mas já lá estou...obrigado Inês...sempre nas descobertas ;-))))
sentidamente, obrigado, inês, pela judith. bjo.
Este poema tem um muito saudável travo a Gomes Leal.
Gosto disto!
Quanto ao Couto Viana, Joaquim, frequentei durante anos uma tertúlia que nasceu de uma amizade sua (do Couto Viana) com um poeta nos extremos da sua filiação política, Ulisses Duarte.
E o convívio semanal aconteceu sempre, com a poesia o amor à poesia a suplantar todas as divergências. E este "Bocaginho" (como ele me chamava às vezes) aprendeu muito com ele sobre a poesia. E com o Ulisses também.
A minha ignorância é imensa.
Nunca tinha ouvido falar de Judite Teixeira.
Poema lindo. Bisei a leitura.
Teu ciumento admirador.
Luís Pinto
Muito interessante. Também desconhecia que livros de uma autora feminina tinham sido apreendidos com os do Botto e do Leal. Estamos sempre a aprender.
E os versos dela são muito bons, pelo que me deu ler só aqui. E é engraçado que a Botto homosexual se contraponha Judite lésbica (se de facto foi). São poemas que ainda hoje podem chocar.
Ando desesperadamente à procura deste livro. Já o tive, mas infelizmente emprestei-o e perdi-lhe o rasto.
Por acaso não saberá onde o poderei adquirir. Na &etc está esgotado.
Se me puder indicar outro sitio ficar-lhe- ei muito agradecida.
Continue com um trabalho exímio.
Obrigada
Pois, este livro está esgotado. Não sei onde poderá encontrar um exemplar à venda. Será difícil...
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