quinta-feira, 7 de setembro de 2006

Fonógrafo

Vai declamando um cómico defunto.
Uma plateia ri, perdidamente,
Do bom jarreta... E há um odor no ambiente
A cripta e a pó, — do anacrónico assunto.

Muda o registo, eis uma barcarola:
Lírios, lírios, águas do rio, a lua.
Ante o seu corpo o sonho meu flutua
Sobre um paul, — extáctica corola.

Muda outra vez: gorgeios, estribilhos
Dum clarim de oiro — o cheiro de junquilhos,
Vívido e agro! — tocando a alvorada...

Cessou. E, amorosa, a alma das cornetas
Quebra-se agora orvalhada e velada.
Primavera. Manhã. Que eflúvio de violetas!

Camilo Pessanha


Camilo Pessanha nasceu em Coimbra em 1867, mas foi em Macau que viveu a maior parte da sua vida. Escrevia os poemas em folhas soltas que oferecia a amigos, muitos desses poemas, perderam-se definitivamente.

De toda a maneira lembrava-se de todos esses poemas e foi assim que, ao ditar alguns deles de memória a João de Castro Osório, foi publicado o livro "Clepsidra" no ano de 1920.
Camilo Pessanha teve uma forte influência no modernismo português, como por exemplo no lirismo de Fernando Pessoa, que nutria por ele grande admiração.
Morreu em Macau em 1926.

Pode ouvir-se aqui
o poema "Interrogação" de Camilo Pessanha, na voz de Luís Gaspar.

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