sexta-feira, 28 de julho de 2006

Na estante de culto

















"Os passos da Poesia"


Deslizas pela delicadez
a
com teus pés magoados.

Por que caminhas agora sobre vidros,

por que exiges de ti essa aguda cautela?

Os céus teriam sido a morada, as areias finas
do nosso desencontro?

Soubera-o eu e ter-te-ia ajudado a não descalçar os sapatos.

As meias também.

Deixar-te ficar com elas, durante o amor,

tem sido (foi sempre) um motivo de deleite.
De carinho.

Uma inclinação natural

de proteger-te.

Se te pintara, numa imensa e clara tela, começaria
por essa mancha: estremecida.

Estremecida!
Ia jurar que nunca te apercebeste de como posso,
em discrição, exceder-lhe os pormenores

– convovar o fascínio,

a cor, a textura; pressagiar-lhe os passos de um suor doloroso.

Por que permiti, então, o caminhares por lugares
penosos?

Não mo perdoo.

Agora que os aperfeiçoas na fuga, espero bem poder acolhê-los
como pombas,

lavar-tos com a imaginação perfumada

das nuvens,

o olhar atento ao delicado equilíbrio, no quadro,

da moldura.

Anunciavam já, no tempo em que ao meu encontro

corriam, esse enredo de minuciosas

dores? – Quais? As de viver? O competente espaço

onde os acolho para a frescura da relva

por nascer?



Poema do livro
"Não me morras"

de Eduarda Chiote


Na capa, um desenho de Jorge Pinheiro

Edição & etc
(2004)

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