terça-feira, 25 de julho de 2006

Na estante de culto

“O vagabundo do Dharma”
25 poemas de Han-Shan
Tradutor: Ana Hatherly e Jacques Pimpaneau
Editora: Cavalo de Ferro




















O sinólogo Jacques Pimpaneau traduziu literalmente do chinês para o francês 25 poemas de Han-Shan e, a convite da editora Cavalo de Ferro, Ana Hatherly
traduziu-os para português, em versões poéticas.

Han-Shan nasceu na China, pensa-se que no século VII. O seu nome está associado ao budismo Chan (Zen em japonês), e são-lhe atribuídos 311 poemas.
Tornou-se numa personagem lendária, frequentemente representado andrajoso e folgazão, acompanhado pelo seu amigo Shi-De. De certo modo foi uma espécie
de hippy do seu tempo, tornando-se um dos estandartes de uma outra maneira de viver.

Han-Shan significa "Montanha Fria". É uma das montanhas da cordilheira de Tian-Tai, no sudoeste da China. E Han-Shan tomou o nome da montanha onde fez o seu retiro. Frequentava o mosteiro onde o seu amigo Shi-De trabalhava nas cozinhas e lhe guardava os restos. Durante as suas visitas deambulava pelos corredores gritando e rindo sozinho. Quando os bonzos troçavam dele, batia palmas e dava gargalhadas. Vestia-se de trapos, com um chapéu feito de casca de árvores e sandálias com sola de madeira. Conversava com os guardas dos búfalos nos campos. Um funcionário foi um dia visitar Han-Shan e o seu amigo Shi-De, mas estes fugiram. O tal funcionário teve a boa ideia de mandar reunir os poemas inscritos nas árvores, nas paredes e nas falésias e... publicá-los.

Han-Shan inventou um pensamento que escapa à lógica e às regras. A filosofia taoista e o zen apenas foram para ele uma ajuda, como a droga ou o álcool o foram para os hippys. Apaixonado pela liberdade, não aceitou ser bonzo ou ir viver para o mosteiro, entregando-se a um trabalho interior na solidão sem se deixar tentar pelas religiões ou filosofias estabelecidas. Quis desligar-se inteiramente do mundo, ou, utilizando a sua expressão budista, da “poeira vermelha”.
Segundo as palavras de Jacques Pimpaneau, a poesia de Han-Shan é, não um exercício estético, mas apenas linguagem, desligada da lógica o suficiente para dar um equivalente que a razão não pode atingir.


As traduções modernas dos poemas de Han-Shan, feitas a partir de antigas fontes chinesas e/ou japonesas, como as de Arthur Waley, Gary Snyder e outros, para inglês, as de Armand Gaudon e Jacques Pimpaneau para francês e as da Ana Hatherly para português, dada a sua complexa ancestralidade, talvez devam (segundo as próprias palavras de Ana Harherly) ser apenas consideradas como possíveis recriações poéticas, como possíveis re-invenções de textos remotos.
Mas as traduções em versão póetica feitas por Ana Hatherly, são umas das mais fiéis do espírito original da poesia de Han-Shan.

A completar este belíssimo livro de poesias estão as caligrafias dos poemas feitas por Li Kwok-Wing.


As montanhas acumuladas a água jorrando
A bruma núvens rosadas envolvendo o verde iris

O vapor de água acaricia e molha a minha touca de gaze
O orvalho humedece a minha capa de palha

As minhas sandálias de peregrino escorregam
Na mão seguro um velho ramo de junco

Contemplo ainda a poeira do mundo exterior:
Na esfera do sonho que faria eu de novo?


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Procuro um lugar tranquilo para repousar
E na montanha fria demorar

Uma brisa sopra nos pinheiros longe
De perto soa bem melhor

Lá em baixo está um velho
Por entre dentes lê Huang e Lao

Após dez anos não posso regressar
Esqueci o caminho por onde vim

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