quarta-feira, 31 de janeiro de 2007

Correntes d’Escritas – programa recheado para celebrar Literatura e Artes







As relações da literatura com as outras artes são o tema do VIII Encontro de Escritores de Expressão Ibérica, Correntes d'Escritas, que decorre de 7 a 10 de Fevereiro na Póvoa de Varzim e que conta com cerca de 53 participantes, mais de metade nacionais. A par de escritores surgem nomes de cantores, actores, fotógrafos e realizadores de cinema.

Além da Sessão Oficial de Abertura, a ter lugar às 11h00, no Casino da Póvoa, este dia ficará também marcado pela conferência de Nélida Piñon, às 15h00, no Auditório Municipal, com o título "A Memória Secreta da Mulher".
Esta conferência, apresentada por José Carlos de Vasconcelos, será uma óptima oportunidade para contactar de perto com a grande figura da literatura, Nélida Piñon, romancista brasileira eleita em 1997 para presidente da Academia Brasileira de Letras, (primeira mulher a assumir este papel na história da instituição). Foi também a primeira escritora de Língua Portuguesa a receber o Prémio Príncipe das Astúrias, em 2005, e a primeira mulher e escritora de língua lusa a receber, em 2001, o Prémio Ibero Americano de Narrativa Jorge Isaacs e em 2004 o Prémio Internacional Menéndez Pelayo. Foi ainda a primeira mulher, em 503 anos, a receber o título de Doutor Honoris Causa da Universidade de Santiago de Compostela, em 1998. O percurso de Nélida Piñon, com livros traduzidos em mais de 20 países, fica também marcado pela atribuição da medalha Dom Afonso Henriques, em Portugal, e o titulo de Chevalier des Arts e des Letres, pelo governo francês.
Do Brasil participam ainda António Cícero e Eucanãa Ferraz.
Vêm ainda participantes de Moçambique, de Angola, Espanha, Argentina, Chile, Bolívia, Cuba, Peru e México.

Ainda no dia 7, às 19h00, será inaugurada a exposição fotográfica "Quartos de Escrita", da autoria de Daniel Mordzinski. A exposição é composta por cerca de 60 fotografias encenadas, retratando escritores em quartos de hotel. Entre os escritores fotografados poderemos encontrar nomes como o de Agustina Bessa Luís, José Eduardo Agualusa, José Saramago, Enrique Vila Matas, Luís Fernando Veríssimo, entre outros.
O primeiro dia do evento fará também homenagem a Ray-Güde Mertin, agente literária a quem muitos autores de língua portuguesa e espanhola devem a sua divulgação a nível europeu.
Também será exibido no dia 7 o documentário "Movimentos Perpétuos – Homenagem a Carlos Paredes", da autoria de Edgar Pêra e no dia 8 será apresentado o filme "Vinicius", sobre a vida e obra de Vinicius de Moraes, da autoria de Miguel Faria Júnior.

Vitorino e Sérgio Godinho são dois dos cantores participantes neste Correntes d’Escritas, para além da actriz Maria do Céu Guerra, a pintora Graça Morais, o realizador Fernando Lopes e o fotógrafo António Rodrigues.
Entre os escritores portugueses convidados figuram Lídia Jorge, Hélia Correia, Hélder Macedo, Fernando Pinto do Amaral, Jacinto Lucas Pires e Rui Zink.
Além das mesas-redondas no Auditório Municipal, anexo à Casa da Juventude, onde decorrerá uma mini-feira do livro, estão previstas sessões de poesia no Hotel Vermar e uma exposição de fotografia na Biblioteca Rocha Peixoto.

Para além do lançamento de livros durante todos os dias do evento, vai também ser lançada, no dia 7, a revista Correntes d’Escritas VI, desta feita dedicada a Lídia Jorge, contendo também contos e poesias de vários autores, além de um destaque ao vencedor do ano passado do Prémio Correntes d’Escritas/Papelaria Locus, o brasileiro Saulo Matias Dourado, que venceu em 2006 com o conto "Fuga ao Tema".

Nos dias 13 e 14 de Fevereiro o Correntes d’Escritas chegará a Lisboa, ao Instituto Cervantes, para duas mesas de debate, ambas com início às 18h30.
No dia 13 Ramiro Fonte será o mediador do debate "Literatura: o eco dos dias" e no dia 14 "É o escritor quem tropeça nas Palavras" será o tema da discussão mediada por José Carlos de Vasconcelos.

terça-feira, 30 de janeiro de 2007

Hoje nasceu...





30 de Janeiro de 1946

Antonio Colinas

Poeta espanhol

Exposição em Lisboa sobre o poeta Ángel Crespo







O Instituto Cervantes inaugura no próximo dia 1 de Fevereiro uma exposição sobre o poeta Ángel Crespo, que traduziu para espanhol Fernando Pessoa, Eugénio Andrade, os brasileiros Guimarães Rosa e João Cabral de Melo Neto e ainda Dante e Petrarca.
Esta exposição itinerante (que vai estar patente até 16 de Março) assinala o décimo aniversário da morte do poeta e já passou por em Madrid e Toledo.
Compõem a exposição, fotografias, manuscritos, correspondência, objectos de uso pessoal (como a sua máquina de escrever), livros, catálogos e desenhos.
Nascido em 1926, Ángel Crespo destacou-se como poeta, crítico literário e tradutor, e foi uma das figuras chave da cultura espanhola da última metade do século XX. Faleceu em Barcelona em 1996.
Cedo se dedicou à poesia, tendo publicado o seu primeiro livro em 1950, «Una lengua emerge», dois anos depois de se ter licenciado em Direito.
Publicou, entre outros, os livros «Quedan señales», «Docena florentina», «En medio del camino», «Donde no corre el Aire», «El aire es de los dioses», «El bosque transparente», «El ave en su Aire», além de diversas traduções, ensaios e artigos em jornais e revistas.
Em 1984, a sua tradução do «Cancioneiro», do poeta italiano Petrarca, recebeu o Prémio Nacional atribuído em Espanha nesta disciplina.

O Instituto Cervantes fica na Rua Sta. Marta, 43 F- R/C, em Lisboa

segunda-feira, 29 de janeiro de 2007

Poemas em voz alta

Paira à tona de água
Uma vibração,
Há uma vaga mágoa
No meu coração.

Não é porque a brisa
Ou o que quer que seja
Faça esta indecisa
Vibração que adeja,

Nem é porque eu sinta
Uma dor qualquer.
Minha alma é indistinta,
Não sabe o que quer.

É uma dor serena,
Sofre porque vê.
Tenho tanta pena!
Soubesse eu de quê!...

Fernando Pessoa
14/3/1928
(Cancioneiro)


Na voz de Luís Gaspar:

domingo, 28 de janeiro de 2007

Sugestão da Andante para esta semana

Aurora boreal

Tenho quarenta janelas
nas paredes do meu quarto.
Sem vidros nem bambinelas
posso ver através delas
o mundo em que me reparto.
Por uma entra a luz do Sol,
por outra a luz do luar,
por outra a luz das estrelas
que andam no céu a rolar.
Por esta entra a Via Láctea
como um vapor de algodão,
por aquela a luz dos homens,
pela outra a escuridão.
Pela maior entra o espanto,
pela menor a certeza,
pela da frente a beleza
que inunda de canto a canto.
Pela quadrada entra a esperança
de quatro lados iguais,
quatro arestas, quatro vértices,
quatro pontos cardeais.
Pela redonda entra o sonho,
que as vigias são redondas,
e o sonho afaga e embala
à semelhança das ondas.
Por além entra a tristeza,
por aquela entra a saudade,
e o desejo, e a humildade,
e o silêncio, e a surpresa,
e o amor dos homens, e o tédio,
e o medo, e a melancolia,
e essa fome sem remédio
a que se chama poesia,
e a inocência, e a bondade,
e a dor própria, e a dor alheia,
e a paixão que se incendeia,
e a viuvez, e a piedade,
e o grande pássaro branco,
e o grande pássaro negro
que se olham obliquamente,
arrepiados de medo,
todos os risos e choros,
todas as fomes e sedes,
tudo alonga a sua sombra
nas minhas quatro paredes.

Oh janelas do meu quarto,
quem vos pudesse rasgar!
Com tanta janela aberta
falta-me a luz e o ar.

António Gedeão



Interpretado pela Andante:


Voz: Cristina Paiva; Música: Penguin Cafe Orchestra; Sonoplastia: Fernando Ladeira.


Aqui fica a agenda dos próximos espectáculos da Andante:

29 Janeiro de 2007
A palavra cativa
Estabelecimento Prisional Regional de Beja, às 10H00

29 Janeiro de 2007
A palavra cativa
Estabelecimento Prisional Regional de Évora, às 15H00

30 Janeiro de 2007
A palavra cativa
Estabelecimento Prisional Regional de Coimbra, às 09H30

30 Janeiro de 2007
A palavra cativa
Estabelecimento Prisional Leiria, às 15H00

31 Janeiro de 2007
A palavra cativa
Estabelecimento Prisional de Pinheiro da Cruz, às 10H00

31 Janeiro de 2007
A palavra cativa
Estabelecimento Prisional Regional de Setúbal, às 15H00

01 Fevereiro de 2007
A palavra cativa
Estabelecimento Prisional de Tires, às 10H00

02 Fevereiro de 2007
Ateliê - A leitura em voz alta
Biblioteca Municipal de Castro Verde, das 10H00 às 17H00

8 Março de 2007
"Elas" - Espectáculo de Poesia para o Dia Internacional da Mulher
Fórum Cultural de Alcochete, às 21H45

Mais informações sobre a Andante, aqui.

quinta-feira, 25 de janeiro de 2007

Hoje nasceu...




25 de Janeiro de 1880

Judith Teixeira

Poetisa portuguesa




Artigos relacionados:
Biografia
Poemas: Volúpia; Quando, não sei...; Podes ter os amores que quiseres...; O meu chinês; Minha vida!; A mulher do vestido encarnado
Na estante de culto: ”Poemas”
Outros artigos: Judith Teixeira editada pela Edições Varicela

Judith Teixeira

Judith Teixeira nasceu em Viseu em 1880. Começou a escrever na adolescência "versos ingénuos, que guardava", (segundo palavras suas) e apareceu no "Jornal da Tarde" com composições em prosa que assinava com pseudónimo. Do seu nome verdadeiro, só haveria notícia em 1922, quando escreveu a maior parte dos poemas que haveriam de ser incluídos nos seu livros "Decadência" e "Castelo de Sombras", publicando também poemas na revista "Contemporânea". O livro "Decadência" saiu em Fevereiro de 1923. Em Março do mesmo ano, o Governo Civil de Lisboa apreendeu este livro de Judith, assim como as "Canções" de António Botto e "Sodoma Divinizada" de Raúl Leal, depois da polémica instalada após a publicação destes livros, apelidados de "imorais", que levaram uns quantos estudantes católicos sedentos de mão pesada, a queixar-se contra a "literatura dissolvente" que "corroía a moral e os costumes". Os livros foram queimados e Judith apelidada de "desavergonhada". Fernando Pessoa tomou posição em defesa dos amigos Botto e Leal. De Judith, não mais se falou na altura. Em Junho do mesmo ano, Judith publicou "Castelo de Sombras", constituído por 24 poemas datados de sexta-feira de paixão de 1921 a Abril de 1923. E em Dezembro do mesmo ano, resolveu editar novamente "Decadência". Durante o ano de 1925, Judith escreveu a maior parte dos poemas que iria publicar no livro "Nua", em 1926. Entretanto, editou e dirigiu a revista "Europa". O livro "Nua" foi anunciado pelo poema "A cor dos sons", publicado na revista "Contemporânea", n.º11. Em Junho, já com o livro à venda, sairia no jornal "Revolução Nacional", (jornal de propaganda da ditadura onde se insultavam os directores de quase todos os outros jornais), um texto onde era referido o livro "Nua" de Judith, como "uma das vergonhas sexuais e literárias" e apelidados os seus poemas de "versalhadas ignóbeis". Marcelo Caetano escreveria ainda, no jornal "Ordem Nova" (de que era fundador e redactor), que tinham aparecido nas livrarias uns livros obscenos, apelidando Judith de desavergonhada, e onde se vangloriava pela cremação dos livros dela, de Leal e de Botto, a que chamava de “papelada imunda, que empestava a cidade”. Judith Teixeira, depois de enxovalhada publicamente, ridicularizada, apelidada de lésbica e caricaturada em revistas, defendeu-se e contra-atacou na conferência "De Mim", cujo texto se apressou a editar. Sete meses depois, publicou "Satânia", enfrentando tudo e todos. Depois desta data, Judith assinou raras colaborações. Em 1928 publicou o "Poemeto das Sombras" na revista "Terras de Portugal" e depois disto, não se ouviria dela nem mais uma palavra. Pois depois de totalmente esmagada pela moral vigente, viu-se em 1927 sentenciada de "morte artística" pela mão de José Régio, que diria: "Todos os livros de Judith Teixeira não valem uma canção escolhida de António Botto". Depois disto, sabe-se que terá saído do país e que se terá calado para sempre uma voz tão incisivamente dedicada à agitação. Judith morreu em 1959. Quinze anos mais tarde, em 1977, António Manuel Couto Viana ressuscitava o nome de Judith Teixeira ao dedicar-lhe uma memória no volume "Coração Arquivista" onde se interrogava porque teriam sido as poesias de Judith votadas ao silêncio e à ignorância das mesmas. Judith Teixeira é ainda hoje praticamente desconhecida e continua a não estar representada em qualquer antologia. Fala-se ainda hoje da polémica da "literatura de sodoma" de Botto, Leal e Pessoa, e omite-se aquela que viu igualmente um livro seu em labaredas e que foi a mais perseguida e enxovalhada dos poetas modernistas. Uma excepção para a Editora "&etc", que, em 1996 resolveu editar os poemas de Judith Teixeira, (com pesquisa, organização e bibliografia elaborada por Maria Jorge e Luís Manuel Gaspar), com o objectivo de reparar a injustiça de tal silêncio a que esta poetisa vanguardista dos anos 20 foi votada todos estes anos.

Volúpia

Era já tarde e tu continuavas
entre os meus braços trémulos, cansados...
E eu, sonolenta, já de olhos fechados,
bebia ainda os beijos que me davas!

Passaram horas!… Nossas bocas flavas,
Muito unidas, em haustos repousados,
Queimavam os meus sonhos macerados,
Como rescaldos de candentes lavas.

Veio a manhã e o sol, feroz, risonho,
entrou na minha alcova adormecida,
quebrando o lírio roxo do meu sonho...

Mas deslumbrou-se... e em rúbidos adejos
Ajoelhou-se... e numa luz vencida,
Sorveu… sorveu o mel dos nossos beijos!

Judith Teixeira


Na voz de Luís Gaspar:

Quando, não sei…

Há-de chegar o dia
em que a minha tristeza há-de acabar...
Tudo finda... renasce e recomeça...
E esta tristeza há-de ter fim!
E então minha alegria
há-de voltar!...

Só tenho medo
que, quando ela regressar
eu esteja tão cansada de viver,
que não chegue a festejar
esta ânsia enorme de vencer!...

Sim, porque da tristeza sempre fica
um jeito desolado...
Mas não! Eu hei-de ser alegre,
e endoidecer cá dentro
toda a amargura do passado!

Mas não tardes
a realidade
do meu sonho!...
Porque há quem morra de saudade
e dor!
E eu não sei se terei vida
que chegue
se a tua demora
for mais longa, meu amor!

Judith Teixeira


Na voz de Luís Gaspar:

Podes ter os amores que quiseres…

Podes dizer que me não amas,
sim, podes dizê-lo,
e o mundo acreditar,
porque só eu saberei
que mentes!

Eu estou na tua alma
como a flama
que devora sob a cinza
as brasas dormentes...

Não creias no remorso
— o remorso não existe!
O que tu sentes
e o que em ti subsiste,
são o rubor da minha ternura
e a chama do meu amor
que em ti
nunca foram ausentes!...

Não julgues, não, que me esqueceste,
porque mentes a ti mesmo
se o disseres…
Podes ter os amores que quiseres,
que o teu amor por mim,
como uma dor latente e compungida,
há-de acompanhar sempre
a tua e a minha vida!

Judith Teixeira


Na voz de Luís Gaspar:

O meu chinês

Nos olhos de seda
traçados em viés,
tem um ar tão sensual
o meu Chinês…

Vive sobre uma almofada
de cetim bordada,
pintado a cores.

Às vezes
numa ânsia inquieta
que eu não mitigo,
e que me domina,
num sonho de poeta
ou de heroína,
fujo levando
o meu Chinês comigo!

E lá vamos!
Nem eu sei
para que alcovas orientais,
em que países distantes,
realizar
as horas sensuais,
as horas delirantes
com que eu sonhei…
……………………………………………..

Eu e o meu Chinês
temos fugido tanta, tanta vez!

Judith Teixeira


Na voz de Luís Gaspar:

Minha vida!

Tu estás doente meu amor, porquê?
Falta-te o sol, a luz, o meu sabor?
Ou queres tu, que ainda eu te dê,
nos meus braços, mais ânsia, mais calor?

Se és tu o sol, a graça, essa mercê
divina que Deus trouxe à minha dor,
exige tudo, a minha vida e crê
que ta darei com alegria, amor!

Se perdes a alegria, minha vida,
perco-me eu a procurar a causa:
minha alegria é também perdida!

Beijemo-nos, meu bem, ardentemente…
que venha a morte numa doce pausa
e que nos leve se não és contente!

Judith Teixeira



Na voz de Luís Gaspar:

A mulher do vestido encarnado

Ameigam teu corpo airoso
requebros sensuais,
e o teu perfil
felino e vicioso
diz-nos pecados brutais?
– Paixões preversas
onde o crime é gozo!

Carne que a horas se contrata,
e onde a tísica já fez guarida;
– vendida por suja prata
em tanta noite perdida…

Ó farrapo de luxúria
que acendes quentes desejos
até à fúria,
na febre de longos beijos!…

Perderam-se tantas, tantas
mocidades
nos teus olhares diabólicos,
que nem tu já sabes quantas!

E ninguém te perguntou
ainda, mulher perdida
que desgraçado amor foi esse
que te arrastou
a essa vida, negra vida!

E às vezes,
cuspindo sangue
em noites de guitarrada,
a tua boca tão mordida,
cantando, à desgarrada,
fala do amor crueldade
– um amor todo ruína,
uma amor todo saudade!

Ó farrapo de luxúria
que acendes quentes desejos
até à fúria,
na febre de longos beijos!

Judith Teixeira
Outubro
1922

quarta-feira, 24 de janeiro de 2007

Cofre guarda nos Açores exemplar raro de “Os Lusíadas”




Um cofre climatizado guarda uma das principais raridades do acervo da Biblioteca Pública de Arquivo de Ponta Delgada, nos Açores: um dos seis exemplares da primeira edição de “Os Lusíadas”, de 1572.
Pela sua raridade e valor histórico, a obra maior de Luís Vaz de Camões, que narra os feitos dos descobrimentos portugueses, está cercada de cuidados e não teve qualquer pedido de consulta durante 2006; tem sido apenas solicitada por investigadores e estudiosos, a maioria dos quais professores universitários.
Apesar da fragilidade, o livro, de 18 centímetros de altura, editado em Lisboa, está em bom estado de conservação, e pode ser consultado pelo público, apenas com certas regras a cumprir.
A primeira edição de "Os Lusíadas" faz parte dos cerca de 18 mil títulos da biblioteca pessoal de José do Canto, que engloba livros do século XV ao XIX , adquiridos em Maio 1942 pela instituição.
A colecção particular do bibliófilo contém quase todas as primeiras edições de autores portugueses contemporâneos, como Alexandre Herculano, Antero de Quental, Camilo Castelo Branco e Eça de Queirós, e alguns estrangeiros como Darwin e Dumas (pai e filho), num total de cerca de 110 edições portuguesas publicadas entre 1572 e 1892. A colecção inclui ainda cerca de 105 edições estrangeiras, traduzidas em húngaro, alemão, inglês, francês, italiano, espanhol, russo e japonês.
Para facilitar o acesso das obras mais consultadas e de maior valor histórico, a Biblioteca está a proceder à digitalização dos seus títulos, um serviço que deverá ser disponibilizado parcialmente durante este ano.
Além da colecção privada de José do Canto, a Biblioteca Pública de Arquivo de Ponta Delgada conta com o acervo de nomes como Ernesto do Canto, Marquês Jácome Correia, Teófilo Braga, Natália Correia, Mota Amaral, entre outros.

terça-feira, 23 de janeiro de 2007

Pessoa cantado

Na voz de Mariza:




Do vale à montanha,
Da montanha ao monte,
Cavalo de sombra,
Cavaleiro monge,
Por casas, por prados,
Por quinta e por fonte,
Caminhais aliados.

Do vale à montanha,
Da montanha ao monte,
Cavalo de sombra,
Cavaleiro monge,
Por penhascos pretos,
Atrás e defronte,
Caminhais secretos.

Do vale à montanha,
Da montanha ao monte,
Cavalo de sombra,
Cavaleiro monge,
Por plainos desertos
Sem ter horizontes,
Caminhais libertos.

Do vale à montanha,
Da montanha ao monte,
Cavalo de sombra,
Cavaleiro monge,
Por ínvios caminhos,
Por rios sem ponte,
Caminhais sozinhos.

Do vale à montanha,
Da montanha ao monte,
Cavalo de sombra,
Cavaleiro monge,
Por quanto é sem fim,
Sem ninguém que o conte,
Caminhais em mim.

Fernando Pessoa
24/10/1932
(Cancioneiro)

Sugestão da Andante para esta semana

Na biblioteca

O que não pode ser dito
guarda um silêncio
feito de primeiras palavras
diante do poema, que chega sempre demasiadamente tarde,

quando já a incerteza
e o medo se consomem
em metros alexandrinos.
Na biblioteca, em cada livro,

em cada página sobre si
recolhida, às horas mortas em que
a casa se recolheu também
virada para o lado de dentro,

as palavras dormem talvez,
sílaba a sílaba,
o sono cego que dormiram as coisas
antes da chegada dos deuses.

Aí, onde não alcançam nem o poeta
nem a leitura,
o poema está só.
E, incapaz de suportar sozinho a vida, canta.

Manuel António Pina



Interpretado pela Andante:


Voz: Cristina Paiva; Música: Hector Zazou; Sonoplastia: Fernando Ladeira.


Aqui fica a agenda dos próximos espectáculos da Andante:

29 Janeiro de 2007
A palavra cativa
Estabelecimento Prisional Regional de Beja, às 10H00

29 Janeiro de 2007
A palavra cativa
Estabelecimento Prisional Regional de Évora, às 15H00

30 Janeiro de 2007
A palavra cativa
Estabelecimento Prisional Regional de Coimbra, às 09H30

30 Janeiro de 2007
A palavra cativa
Estabelecimento Prisional Leiria, às 15H00

31 Janeiro de 2007
A palavra cativa
Estabelecimento Prisional de Pinheiro da Cruz, às 10H00

31 Janeiro de 2007
A palavra cativa
Estabelecimento Prisional Regional de Setúbal, às 15H00

01 Fevereiro de 2007
A palavra cativa
Estabelecimento Prisional de Tires, às 10H00

02 Fevereiro de 2007
Ateliê - A leitura em voz alta
Biblioteca Municipal de Castro Verde, das 10H00 às 17H00

8 Março de 2007
"Elas" - Espectáculo de Poesia para o Dia Internacional da Mulher
Fórum Cultural de Alcochete, às 21H45

Mais informações sobre a Andante, aqui.

segunda-feira, 22 de janeiro de 2007

Exposição sobre William Blake em Londres







O caderno em que o poeta inglês William Blake escreveu um dos seus poemas mais famosos, "O Tigre", é a peça central de uma exposição na Biblioteca Britânica, em Londres, que estará patente até ao dia 21 de Março, assinalando o 250.º aniversário do seu nascimento.

Este caderno (que William Blake utilizou para os seus poemas e desenhos durante mais de 30 anos), será exibido junto com outros objectos de artistas que foram influenciados pela sua obra, como é o caso do manuscrito do romance «The Amber Spyglass», de Philip Pullman.
A escritora Tracy Chevalier e a cantora Patti Smith doaram também trabalhos inspirados pelo poeta.

A Biblioteca Britânica sublinha que esta exposição mostra a surpreendente criatividade de Blake e a sua contribuição para a obra de artistas e escritores contemporâneos, 250 anos depois. A Biblioteca também criará uma versão digital do caderno de notas de Blake que poderá ser visto na internet.


O Tigre

Tigre, tigre, chama pura
Nas florestas, noite escura,
Que olho ou mão imortal cria
Tua terrível simetria?

De que abismo ou céu distante
Vem tal fogo coruscante?
Que asas ousa nesse jogo?
E que mão se atreve ao fogo?

Que ombro & arte te armarão
Fibra a fibra o coração?
E ao bater ele no que és,
Que mão terrível? Que pés?

E que martelo? Que torno?
E o teu cérebro em que forno?
Que bigorna? Que tenaz
Prò terror mortal que traz?

Quando os astros lançam dardos
E seu choro os céus põe pardos,
Vendo a obra ele sorri?
Fez o anho e fez-te a ti?

Tigre, tigre, chama pura
Nas florestas, noite escura,
Que olho ou mão imortal cria
Tua terrível simetria?

William Blake

Tradução de Vasco Graça Moura

sábado, 20 de janeiro de 2007

Hoje nasceu...




20 de Janeiro de 1902

Nâzim Hikmet

Poeta turco


Artigos relacionados:
Biografia
Poemas: O espelho encantado; A viagem; O mesmo coração e a mesma cabeça; Domingo
Na estante de culto: ”Poemas da Prisão e do Exílio”

Nâzim Hikmet

Nâzim Hikmet, poeta turco, nasceu em 20 de Janeiro de 1902 na Salónica (na altura, parte do Reino Osmânico), filho de pais cultos, da classe dominante da época.
O seu pai era funcionário do Ministério dos Negócios Estrangeiros, apesar de se opor à ditadura do Sultão Abdul Hamid II. A mãe, filha do filólogo Enver Pascha, tocava piano, pintava e lia poetas franceses no original, sobretudo Lamartine. Tanto a mãe, como o avô (também poeta) reconheceram e apoiaram desde sempre a inclinação de Nâzim para a poesia, que começou a escrever aos 14 anos.
Em 1917, seguindo a tradição da família, Nâzim entrou para a Escola de Cadetes de Heybeliada em Istambul, onde dava aulas o poeta Yahya Kemal Beyath, que apoiou e aconselhou Nâzim e o ajudou a publicar os seus poemas na revista “Yeni Mecmua”.
Em 1919, Nâzim foi colocado como oficial de Marinha no navio de guerra “Hamidiye”, onde contraiu uma grave pneumonia que o obrigou a abandonar o serviço em 1921. Em 1920, quando Istambul foi ocupada pela “Entente”, Nâzim tinha escrito uma série de poemas que exprimiam a sua ira, dirigida sobretudo contra os ingleses.
Com o seu amigo Vâlâ Nurettin, abandonou Istambul em segredo, com o objectivo de se juntarem ao Movimento de Libertação comandado por Mustafa Kemal Ataturk. Mas em vez de serem colocados na frente de combate, como pretendiam, enviaram-nos para Bolu para serem professores. E foi em Bolu que tiveram notícias da Revolução Russa, que lhes inflamou o sonho revolucionário. Ainda em 1921, partiram ambos para Moscovo, onde chegaram no ano seguinte.
Nâzim inscreveu-se na KUTV (Universidade Comunista dos Trabalhadores de Leste), onde veio a conhecer Meyerhold, Sverker Ek (historiador de literatura, sueco) e os poetas Bagritzki, Maiakovski e Selwinski. E foram Meyerhold e Maiakovski que influenciaram Nâzim durante muito tempo. Foi também nessa altura que entrou para o PC turco.
Quando acabou os estudos em 1924, Nâzim Hikmet regressou à Turquia. Trabalhou então para a revista “Sinema Potasi” (editada pelo pai), e colaborou com poemas e textos na revista “Aydinlik”, editada por membros dirigentes do PC turco.
Perseguido, refugiou-se durante algum tempo em Ismira. Depois de ter sido condenado à revelia a 15 anos de prisão (em 1925) e da subsequente ilegalidade, em 1927 deixou de novo a Turquia e voltou a Moscovo, onde permaneceu até 1928. Nessa altura foi publicado o seu primeiro livro de poesia, em Baku (Azerbeijão): "Canção dos Bebedores de Sol".
Depois de ter regressado de Moscovo, e de ter sido novamente preso, Nâzim começou a trabalhar para vários jornais, publicou poemas em várias revistas e editou o livro ”835 Linhas”.
A partir de 1929 adoptou uma posição crítica em relação aos principais poetas turcos, rejeitando a tradição e propondo novos caminhos na poesia.
Foi novamente preso em 1932, tendo o Ministério Público pedido a sua pena de morte, mas foi libertado no ano seguinte por ocasião de uma amnistia comemorativa dos dez anos da República.
Como era impossível continuar a assinar os trabalhos com o nome verdadeiro, adoptou um pseudónimo para escrever artigos em jornais e para assinar o seu romance “O Sangue não fala”, publicado em várias sequências.
Nos finais de 1937 a situação política na Turquia piorou, diligenciando um modo de convívio com a Inglaterra e a França, mas por outro lado, procurando relações distanciadas mas frutuosas com o Terceiro Reich, com o objectivo de silenciar os comunistas e outros que tinham detectado o perigo nazi.
Em 1938 Nâzim foi novamente preso, com base numa provocação, acusado de preparar uma revolta na marinha. Na prisão, Nâzim traduziu “A Guerra e a Paz” de Tolstoi, escreveu imensos poemas e começou a sua monumental obra “Paisagens Humanas do meu País”.
Em 1947 Nâzim apresentou ao Parlamento uma petição para revisão do seu processo, alegando inocência do crime de que tinha sido acusado, mas essa petição não surtiu efeito. Só dois anos depois o jornalista Ahmet Emin se esforçou no seu jornal “Vatan” para que Nâzim, preso injustamente, fosse libertado. Criou-se então uma onda de solidariedade que passou as fronteiras turcas e se manifestou fortemente em França.
Em Abril de 1950 Nâzim entrou em greve de fome. Apareceu então um jornal com o seu nome e que fez da sua libertação uma bandeira. Quase todos os intelectuais turcos e também numerosos políticos assinaram petições a seu favor. O Partido Democrático prometeu, em campanha eleitoral, uma amnistia geral que abrangeria Nâzim. Em Maio de 1950, o Partido Democrático ganhou as eleições e em Julho teve lugar a prometida amnistia, tendo Nâzim sido libertado, apesar da forte oposição de alguns deputados do novo partido do governo.
Nâzim Hikmet, que tinha sido transferido para um hospital de Istambul durante a greve de fome, recomeçou a vida, escrevendo guiões de filmes. Casou com Munevver, sua terceira mulher, e em 1951 nasceu o seu filho Mémet. Mas os círculos reaccionários recomeçaram a complicar-lhe a vida. Com 50 anos, e independentemente de ter sido cadete da Marinha, preparavam-se para o chamar de novo às fileiras e fizeram correr o boato que durante o serviço militar seria liquidado. Nessa altura já Nâzim tinha contraído uma grave doença cardíaca. Para fugir à ameaça de morte, em 17 de Junho de 1951 fugiu de Istambul num pequeno barco a motor que o levou ao Mar Negro. Aí, seguiu durante duas horas um cargueiro romeno, até que o deixaram subir a bordo. Depois de alguns dias em Bucareste, regressou a Moscovo. Em 25 de Junho foi expatriado por decreto do Conselho de Ministros. No exílio, em tempo de guerra fria e conflito na Coreia, foi eleito para o Conselho Mundial da Paz. Nesta condição visitou numerosos países, sempre com saudades do seu país natal.
Como comunista, no exílio de Moscovo, gostaria de ter participado activamente na política, mas à sua volta havia uma muralha impenetrável. Apesar dos seus esforços, não conseguiu voltar a encontrar Meyerhold nem os velhos comunistas turcos que viviam na União Soviética desde os anos 30. Depois do discurso secreto de Kruchtchev no 20º Congresso e da reabilitação dos bolcheviques e artistas revolucionários mandados executar, juntamente com comunistas turcos exilados, Nâzim percebeu o que tinha sucedido na terra dos seus sonhos durante os últimos 20 anos e a partir desta altura, empenhou-se em desmascarar a preversão do culto da personalidade e pela casta burocrática imposta por Staline.
No final dos anos 50 a sua saúde piorou. Em 1959 casou com a quarta mulher, Vera. Adoeceu gravemente depois de uma viagem à Tanganica. Já pressentindo a morte, escreveu "O meu enterro". Morreu de enfarte do miocárdio em Junho de 1963, de manhã cedo, quando ia comprar os jornais.
Nâzim Hikmet consegiu, graças ao seu génio e à sua enorme simpatia, causar naqueles que o liam e escutavam, uma enorme admiração, que vinha da sua coragem, experiência, sinceridade e humanidade.
A sua poesia é uma mensagem de esperança (de alguém que passou praticamente a vida inteira na prisão ou no exílio), lida em todo o mundo.

O espelho encantado

Praga é um espelho encantado
Ao olhar-me nele
Encontro os meus vinte anos
Sou como um salto em frente
Sou como trinta e dois dentes
sem cárie
E o mundo é uma noz
Mas não quero nada para mim
Só a mulher que amo
A tocar os meus dedos com os seus
Que abrem todos os mistérios do mundo

As minhas mãos partem o pão
pouco para mim
Muito para os meus amigos
Nas aldeias da Anatólia
beijo olhos que sofrem de tracoma
E chego algures a terra distante
Para a Revolução mundial
Trazem o meu coração num coxim de veludo
Como se fosse a ordem da bandeira vermelha
Uma fanfarra toca a marcha fúnebre
Sepultamos os nossos mortos junto de um muro
Sob a terra
Somo sementes fecundas
E as nossas canções estão escritas na terra
não em turco, russo ou francês
Mas em cançonês
Lenine está acamado numa floresta com neve
Franze as sobrancelhas
A pensar em alguém
Olha até ao fim das trevas brancas
Vê os dias que hão-de vir

Sou como um salto em frente
Sou como trinta e dois dentes
sem cárie

E o mundo é uma noz
Com uma casca de aço
Mas inchada de esperança
Praga é um espelho encantado
Olho-me nele
Mostra-me no leito de morte
A testa alagada em suor
Como se a cera da vela tivesse gotejado
Os braços ao longo do corpo
A tapeçaria verde
E pela janela
Os telhados cobertos de fuligem de uma grande cidade
Esses telhados não são os de Istambul
Os meus olhos estão abertos
Ainda os não vieram fechar
Ainda ninguém sabe
Inclina-te para mim
Olha nas minhas pupilas
Verás nelas uma mulher jovem
Na paragem do eléctrico à espera à chuva
Fecha-me os olhos
E em bicos de pés
Sai do quarto, camarada.

Nâzim Hikmet
(Tradução de Rui Caeiro)

A viagem

A viagem fazemo-la num qualquer modesto cargueiro
Existe ainda um porto onde não tivéssemos tocado?
Existe alguma espécie de tristeza que ainda não tivéssemos cantado?
O horizonte que a cada manhã tínhamos pela frente
Não era igual ao que à noite deixávamos para trás?
Quantas estrelas desfilaram à nossa frente
Roçando as águas.
Não era cada aurora o reflexo
Da nossa grande nostalgia?
Mas é em frente que vamos, não é verdade?, é em frente que vamos.

Nâzim Hikmet
(Tradução de Rui Caeiro)

O mesmo coração e a mesma cabeça

Não é para me gabar,
mas atravessei de um jacto, como uma bala, os meus dez anos de prisão.
E se deixarmos de lado as dores no fígado,
o coração está igual, a cabeça é a mesma de antes.

Nâzim Hikmet
(Tradução de Rui Caeiro)

Domingo

Hoje é domingo.
Pela primeira vez, hoje,
deixaram-me sair ao sol,
e eu,
pela primeira vez na vida,
espantado de o ver tão longe
tão azul
tão vasto,
imóvel olhei o céu.
A seguir sentei-me na terra, com respeito,
encostei-me à parede branca.
Nesse instante, nada de ideias.
Nesse instante, nem luta, nem liberdade, nem mulher.
A terra, o sol e eu.
Sou feliz.

Nâzim Hikmet
(Tradução de Rui Caeiro)

Poemas em voz alta

Aniversário

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.

Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,
O que fui de coração e parentesco.
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino,
O que fui — ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui...
A que distância!...
(Nem o acho...)
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!

O que eu sou hoje é como a umidade no corredor do fim da casa,
Pondo grelado nas paredes...
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas lágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para mim...
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!

Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...
A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais copos,
O aparador com muitas coisas — doces, frutas o resto na sombra debaixo do alçado —,
As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...

Pára, meu coração!
Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!...

O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...


Álvaro de Campos

15/10/1929


Na voz de Frederico Hartley:

“Migrations 2007” na Casa Fernando Pessoa







Migrations é um intercâmbio cultural que tem como propósito a candidatura de Córdoba a Capital Europeia da Cultura em 2016. Até lá, a Associação Cultural Los Amigos de Marsuf vai realizar uma série de intercâmbios com vários cidades europeias, das quais a primeira é Lisboa. O projecto foi realizado em Outubro passado, nos dias 20 e 21, em Córdoba, e será apresentado agora em Lisboa, envolvendo artistas plásticos, músicos e poetas de ambas as cidades.
Hoje, 20 de Janeiro, às 18h30, na Casa Fernando Pessoa, leitura de poemas por Juan Carlos Reche, Juan Antonio Bernier, Carlos Pardo, José Luís Peixoto, José Mário Silva e Pedro Santa María.

Morreu Fiama Hasse Pais Brandão


















Morreu hoje aos 69 anos a poetisa Fiama Hasse Pais Brandão, que foi também dramaturga, ensaísta, ficcionista e tradutora.
Revelada no movimento Poesia 61, que revolucionou a linguagem poética portuguesa dos anos 60, Fiama demonstrou ser ser uma das principais vozes poéticas da sua geração, constando da sua obra "O Aquário","Cantos do Canto", e "Obra Breve".
Recebeu em 1957 o Prémio Adolfo Casais Monteiro pela obra "Em Cada Pedra Um Voo Imóvel".
Casada com o poeta Gastão Cruz, dedicou-se igualmente à escrita para teatro, tendo a sua primeira peça, "Os Chapéus de chuva", sido distinguida com o Prémio Revelação de Teatro, em 1961.
Traduziu Brecht, Artaud e Novalis, entre outros autores, e colaborou em revistas literárias, como Seara Nova, Cadernos do Meio-Dia, Brotéria, Vértice, Plano, Colóquio-Letras, Hífen, Relâmpago e Phala.
Ao nível do ensaio, escreveu, entre outros, "O Labirinto Camoniano e Outros Labirintos", sobre a influência cabalística em diversos autores dos séculos XVI a XVIII.

Na estante de culto











"Esta é a poesia portuguesa que, após mais de sessenta anos de lê-la, a memória me traz à tona. Às vezes é só um verso
(Floriram por engano as rosas bravas..., E cercarom-mi as ondas, que grandes som...), outras é todo o poema (Aquela triste e leda madrugada/ Cheia toda de mágoa e de piedade..., Dá a surpresa de ser,/ é alta, de um louro escuro...) que me procuram e insistem em acompanhar."
Eugénio de Andrade


Eugénio de Andrade ofereceu-nos nesta antologia com mais de 500 páginas um panorama geral da poesia portuguesa, desde os cancioneiros medievais até Ruy Belo, deixando claro, ao escolher o título "antologia pessoal" que estes eram os poetas de que mais gostava, independentemente de qualquer critério de representatividade ou de importância histórica.
É sobretudo por isso que esta antologia é tão especial: estes são os poetas de Eugénio.

Antologia Pessoal da Poesia Portuguesa
Eugénio de Andrade
Editora: Campo das Letras (Colecção Campo da Poesia)
1ª edição: Novembro de 1999 (7ª edição em 2002)

sexta-feira, 19 de janeiro de 2007

Hoje nasceu...




19 de Janeiro de 1923

Eugénio de Andrade

Poeta português






Artigos relacionados:
Biografia
Poemas: As palavras; Adeus; Frente a Frente; Matéria solar; Não quero, não
Na estante de culto: ”Antologia Pessoal da Poesia Portuguesa”

Eugénio de Andrade

Eugénio de Andrade (que usava o pseudónimo José Fontinhas) nasceu no Fundão em 19 de Janeiro de 1923, no seio de uma família de camponeses.
Estudou em Castelo Branco, Lisboa e Coimbra, onde residiu entre 1939 e 1945. Em 1950 fixou residência no Porto.
Abandonou a Filosofia para se dedicar à poesia e à escrita, a partir da descoberta de trabalhos de Guerra Junqueiro e António Botto. Camilo Pessanha também teve nele uma forte influência.
Colaborou nas revistas Cadernos de Poesia, Vértice, Seara Nova, Sísifo, Gazeta Musical e de Todas as Artes, Colóquio, Revista de Artes e Letras, O Tempo e o Modo e Cadernos de Literatura, entre outras.
Para além de se ter dedicado à poesia desde muito cedo, também organizou várias antologias e traduziu vários poetas estrangeiros, como Garcia Lorca.
A obra de Eugénia de Andrade é vasta e "As Mãos e os Frutos" editado em 1948 e "Os Amantes sem Dinheiro" editado em 1950, colocaram-no merecidamente entre os maiores poetas portugueses.
Foi galardoado com o Prémio de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores, atribuído a O Outro Nome da Terra (1988), o Prémio de Poesia Jean Malrieu, por Branco no Branco (1984) e o Prémio Europeu de Poesia em 1996. Em 1982 o Governo português atribuiu-lhe o grau de Grande Oficial da Ordem de Sant'Iago da Espada e a Grã-Cruz da Ordem de Mérito em 1988. Em 1986 recebeu o Prémio da Associação Internacional dos Críticos Literários, em 1996 recebeu o Prémio Europeu de Poesia da Comunidade de Varchatz (Jugoslávia).
Foi criada, no Porto, uma fundação com o seu nome, em 1990.
Em 2000 recebeu o Prémio Vida Literária da Associação Portuguesa de Escritores e o Prémio Extremadura de criação literária.
Em 2001 recebeu o Prémio Celso Emilio Ferreiro, na Galiza, e foi homenageado no Carrefour des Littératures, em França.
Foi-lhe ainda atribuído, no mesmo ano, o Prémio Camões.
Publicou, entre outros: Adolescente (1942); As Mãos e os Frutos (1948); Os Amantes sem Dinheiro (1950); As Palavras Interditas (1951); Até Amanhã (1956); Conhecimento da Poesia (1958); O Coração do Dia (1958); Os Afluentes do Silêncio (1968); Obscuro Domínio (1971); Limiar dos Pássaros (1972); Véspera da Água (1973); Memória de Outro Rio (1978); Matéria Solar (1980); O Peso da Sombra (1982); Poesia e Prosa, 1940-1989 (1990), O Sal da Língua (1995), Alentejo (1998), Os Lugares do Lume (1998) e Antologia Pessoal da Poesia Portuguesa (1999). Organizou ainda várias antologias, como Daqui Houve Nome Portugal, (1968) e Antologia Breve (1972). Em 2000, publicou Poesia. Em 2001, Os Sulcos da Sede. Também escreveu livros para crianças.
Eugénio de Andrade, que tinha obra traduzida para alemão, asturiano, castelhano, catalão, chinês, francês, italiano, inglês, jugoslavo e russo, morreu em 2005.

As Palavras

São como um cristal,
as palavras.
Algumas, um punhal,
um incêndio.
Outras,
orvalho apenas.

Secretas vêm, cheias de memória.
Inseguras navegam:
barcos, beijos,
as águas estremecem.

Desamparadas, inocentes,
leves.
Tecidas são de luz e são de noite.
E mesmo pálidas
verdes paraísos lembram ainda.

Quem as escuta? Quem
as recolhe, assim,
cruéis, desfeitas,
nas suas conchas puras?

Eugénio de Andrade


Na voz de Luís Gaspar:

Adeus

Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.

Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.

Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.

Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.

Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.
Já gastámos as palavras.

Quando agora digo: meu amor,
já não se passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.

Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.


Eugénio de Andrade


Na voz de Luís Gaspar:

Novidades da Caminho




A Editorial Caminho vai reeditar este mês de Janeiro “Poesia” de Sophia de Mello Breyner Andresen. Esta reedição integra-se num novo plano de publicação da Caminho, da Obra Poética de Sophia de Mello Breyner Andresen. Para além da fixação definitiva do texto, a cargo de Luis Manuel Gaspar, regressa-se à edição autónoma de cada um dos livros de poemas da autora, de acordo com critérios definidos em Nota incluída no final de cada volume.

"Poesia", primeiro livro de Sophia de Mello Breyner Andresen, teve três publicações autónomas (1.ª ed., Coimbra, Edição da Autora, 1944; 2.ª ed., com variantes, Lisboa, Edições Ática, 1959; 3.ª ed., com o título Poesia I, Lisboa, Edições Ática, 1975). Foi incluído, com novas variantes, em Obra Poética I, Lisboa, Editorial Caminho, 1990.
A presente edição definitiva respeita as emendas da autora a esta última versão e inclui um poema (Atlântico) que nela não figurava, tendo sido publicado pela primeira vez em Mar, Lisboa, Editorial Caminho, 2001.

Índice de conteúdos:

I
Apesar das ruínas e da morte,
Noite Luar Atlântico Mar Meio-Dia O Jardim e a Noite Evohé Bakkhos Apolo Musageta
Espero sempre por ti o dia inteiro,
Às vezes julgo ver nos meus olhos
Noite das coisas, terror e medo
Cidade
Noites sem nome, do tempo desligadas,
Cidade suja, restos de vozes e ruídos,
Ir beber-te num navio de altos mastros
Casa Branca

II
Pudesse eu não ter laços nem limites
Primavera
Tudo me é uma dansa em que procuro
Se tanto me dói que as coisas passem
Mais do que tudo, odeio
Senhor Noite de Abril
Quem és tu que assim vens pela noite adiante,
Aquelas que exaltadas e secretas
Paisagem Como Uma Flor Vermelha O Jardim e a Casa Jardim Perdido Jardim No Alto Mar Fundo do Mar
Nunca mais
Níobe Transformada em Fonte
Céu, terra, eternidade das paisagens,

III
Lutaram corpo a corpo com o frio
Em Todos os Jardins
Se todo o ser ao vento abandonamos
As Fontes A Hora da Partida
Que poderei de mim mais arrancar
Ó noite, flor acesa, quem te colhe?
Há cidades acesas na distância,
Sinto os mortos no frio das violetas
Quando brilhou a aurora, dissolveram-se
Senti que estava às portas do meu reino,
Homens à Beira-Mar Sinal de Ti O Vidente
Que o Teu gládio me fira mortalmente.
No ponto onde o silêncio e a solidão

Nota

quinta-feira, 18 de janeiro de 2007

Pessoa, O Grande Português





O programa da RTP
"Os Grandes Portugueses" chegou a uma etapa em que foram definidos os 10 finalistas. Entre eles figura Fernando Pessoa. A partir daqui (e até Março) o público vai votar em quem acha que foi o Grande Português.
Independentemente da qualidade informativa ou cultural deste programa da RTP (e de, inacreditavelmente, Salazar também figurar na lista dos dez mais votados), votemos no Poeta.

“O Guardador de Rebanhos” em CD






Vai ser apresentado amanhã, 19 de Janeiro, às 21h30, na Biblioteca Municipal Sophia de Mello Breyner, em Loulé, o III Vol. da Colecção Selecta "O Guardador de Rebanhos" de Alberto Caeiro em CD Multimédia, organizado e apresentado por Afonso Dias.
Uma iniciativa da responsabilidade da Música XXI - Associação Cultural.

Camilo Pessanha na Bulhosa de Entrecampos










A Bulhosa de Entrecampo dedica este mês de Janeiro a Camilo Pessanha na sua programação cultural.
Assim, podemos assistir hoje, 18 de Janeiro, pelas 18.30h a mais umas "Conversas na Bulhosa" sobre Camilo Pessanha, moderadas por António Osório e António Carlos Cortez.
No próximo dia 30 de Janeiro terá lugar o evento "Palavras na Bulhosa", pelo Teatro Maizum, com direcção de Silvina Pereira, onde será apresentada a "Clepsidra" de Camilo Pessanha.

Livraria Bulhosa, Campo Grande, 10-B (Metro: Entre Campos)
Telf.: 217 994 194

Encerramento da Livraria da Praça




É com tristeza que vos dou a notícia de que a Livraria da Praça (em Viseu) vai encerrar.
Uma livraria que, com dois anos de história, realizou tantos eventos (perto de 150)! Exposições, tertúlias sobre os mais diversos temas, concertos, conversas (com muitos e bons convidados), workshops, cursos de vinho, lançamentos de livros, feiras de comércio justo, etc., mais de um por semana. Essa frequência de eventos acabou por destacar a livraria num artigo da Visão:










Até ao encerramento definitivo (no próximo mês de Março) o horário manter-se-á, bem como as actividades já agendadas.
E a partir de hoje a Livraria da Praça fará promoções de livros, CDs e filmes.
Enfim... menos um espaço cultural no país...
Um abraço solidário aos responsáveis e funcionários da Livraria da Praça. E um obrigada em nome da cultura.
Espero que um dia destes possam reabrir.

O blogue da Livraria da Praça fica aqui.

segunda-feira, 15 de janeiro de 2007

Hoje nasceu...






15 de Janeiro de 1850

Mihai Eminescu

Poeta romeno







Artigos relacionados:
Biografia
Poemas: O amanhã aumenta os dias

Mihai Eminescu

Mihai Eminescu nasceu em Botosani, no norte da Moldávia, em 1850.
Sexto de dez filhos, passou a infância na aldeia de Ipotesti, onde o seu pai era fazendeiro. O pai fê-lo ingressar num grande colégio, de onde fugiu várias vezes.
Publicou as suas primeiras poesias com 16 anos, conquistando logo notoriedade entre os escritores romenos. Depois, foram os anos de vagabundagem pelo país que lhe deram um profundo conhecimento da língua e do espírito popular romeno. Ouviu assim centenas de histórias, lendas e baladas, e tomou nota de tudo, coleccionando com fervor velhos manuscritos, locuções antigas, palavras raras. Viveu sempre modestamente, contentando-se com muito pouco, e guardando religiosamente uma caixa de livros, sua única fortuna que nunca abandonou. Frequentou vários cursos nas Universidades de Viena (entre 1869 e 1872) e de Berlim (entre 1872 e 1874), sem o menor empenho em fazer exames ou conseguir diplomas. Interessava-se por tudo: egiptologia, direito romano, ciências financeiras, anatomia, filologia comparativa, ocultismo... mas a sua paixão seria sempre a filosofia. Em Bucareste, foi de tal maneira admirado por alguns escritores e críticos, que pensaram em oferecer-lhe uma cadeira na Universidade, mas Eminescu não se mostrou interessado.
Grande perfeccionista, trabalhou os seus poemas durante anos e anos, sempre insatisfeito com a forma. Voltou para a Roménia, trabalhando como bibliotecário, depois inspector do ensino primário e, por fim, a troco de um magro salário, aceitou redigir um jornal político de Bucareste, o "Timpul". Porém, esgotou-se num trabalho devorador, escrevendo sozinho os artigos de fundo, as crónicas e os comentários políticos, traduzindo os telegramas das agências e ainda revendo, pelas noites fora, as provas inteiras do jornal.
Foi célebre, estimado e admirado. Teve ilustres protectores, mas a sua timidez e o seu orgulho impediram-no de viver uma vida humana. A partir de 1883, de hospital em hospital, com alternativas de lucidez e de desvario, Eminescu deixou que as suas forças o abandonassem e faleceu em 1889, com 39 anos.
O escritor Alexandru Vlahuta descreve uma visita que lhe fez numa casa de saúde: "Com uma alegria de criador, tirou da algibeira um bocado de papel amarrotado e pôs-se a ler uma longa série de estrofes de uma sonoridade e de um efeito rítmico maravilhosos. Mas no bocado de papel só havia três palavras. Eminescu improvisara!..."
Durante a sua doença, os amigos mandaram imprimir o seu primeiro (e último) volume de "Poesias". O êxito foi enorme. Eminescu tornara-se o poeta nacional da Roménia...

O amanhã aumenta os dias

O amanhã aumenta os dias,
O ontem diminui a vida
Perante nós temos, contudo,
O dia de hoje, para sempre.

Se morre um ser, logo vem outro
Para segui-lo neste mundo,
Tal como o sol, quando se põe,
Ressurge logo em qualquer parte.

Dir-se-ia que outras ondas passam
Descendo sempre o mesmo rio;
Dir-se-ia que é um outro outono
Mas caem sempre as mesmas folhas.

A nossa noite é precedida
Pela suave madrugada;
A própria morte é ilusão,
Um mealheiro de existências:

De cada efémero momento
Eu depreendo que este axioma
Sustenta toda a eternidade
E faz girar o mundo inteiro.

Pode voar, portanto, este ano
E no passado mergulhar,
Pois conservamos o tesouro
Que desde sempre temos n'alma.

O amanhã aumenta os dias,
O ontem diminui a vida
Contudo, temos ante nós
O dia de hoje, para sempre.

As cintilantes aparências,
Que velozmente se sucedem,
Repousam sob a irradiação
Do sempiterno pensamento.

Mihai Eminescu


(Versão de Carlos Queiroz, sobre tradução de Victor Buescu e Rogério Claro)

Minerva procura novos autores







A Editorial Minerva procura novos autores para a próxima antologia “Poiesis” (volume XV).
Os trabalhos (poesia ou prosa poética) deverão ser entregues até ao dia 30 de Março de 2007.
Mais informações (e o regulamento) no site da Minerva, aqui.

domingo, 14 de janeiro de 2007

Poemas em voz alta

Estou cansado, é claro.
Porque, a certa altura, a gente tem de estar cansado.
De que estou cansado, não sei:
De nada me serviria sabê-lo,
Pois o cansaço fica na mesma.
A ferida dói como dói
E não em função da causa que a produziu.
Sim, estou cansado,
E um pouco sorridente
De o cansaço ser só isto —
Uma vontade de sono no corpo,
Um desejo de não pensar na alma,
E por cima de tudo uma transparência lúcida
Do entendimento retrospectivo…
E a luxúria única de não ter já esperanças?
Sou inteligente; eis tudo.
Tenho visto muito e entendido muito o que tenho visto,
E há um certo prazer até no cansaço que isto nos dá,
Que afinal a cabeça sempre serve para qualquer coisa

24/6/1935

Álvaro de Campos

Na voz de Luís Gaspar:

Pessoa cantado

No comboio descendente
Vinha tudo à gargalhada.
Uns por verem rir os outros
E outros sem ser por nada
No comboio descendente
De Queluz à Cruz Quebrada...

No comboio descendente
Vinham todos à janela
Uns calados para os outros
E outros a dar-lhes trela
No comboio descendente
De Cruz Quebrada a Palmela...

No comboio descendente
Mas que grande reinação!
Uns dormindo, outros com sono,
E outros nem sim nem não
No comboio descendente
De Palmela a Portimão

Fernando Pessoa

Na voz de Zeca Afonso:

sábado, 13 de janeiro de 2007

Homenagem de Luís Graça ao pai do seu amigo Paulo Cunha Porto

O que te posso dizer, Paulo?

Estou no piso inferior do Monumental. À minha frente tenho duas Super Bock Abadia. Não havia Super Bock Stout. Talvez tenha ficado com a cerveja preta associada à memória de um grande amigo: Fernando Alves Serra. O Fernando adorava Guiness e a Comunidade de Leitores da Culturgest saiu do velório do Fernando para beber uma Guiness num bar irlandês do Cais do Sodré.
Eu a conter as lágrimas, a beber a Guiness e a Marisa a dizer:
— Deixa cair, Luís, deixa cair....
Deixei cair.
E agora choro.
À minha frente, na mesa, tenho um exemplar do PÚBLICO, com quatro versos rabiscados nas margens, pelo medo de os perder até chegar ao Monumental e comprar um bloco Firmo A5 para as escrever.

Porque estes são os versos que tenho para deixar ao pai de um grande amigo meu: Paulo Cunha Porto.
E choro, sem vergonha, de cabeça apoiada no braço, em público, por quem não cheguei a conhecer. Não imagino os traços do rosto, a estatura, não sei nada, para além daquilo que o Paulo escreveu e sofreu nos últimos dias no seu blogue Misantropo Enjaulado.

Não sei nada. Mas choro por ele. Com orgulho.

Normalmente, as lágrimas não me correm fáceis. Ficam aprisionadas num Château D’If sem Abade Garcia ou Conde de Monte Cristo. Mas com os sonos todos trocados não consigo esconder o que me vai na alma.
Nem quero.

São lágrimas bem gastas.

Estava no Metro em S. Sebastião. Tocou o telemóvel. Saí.
Vinha feliz da FNAC do Chiado, com os livros para a Comunidade de Leitores da Culturgest.
Com o corpo na ressaca da hidroginástica e a concentração afectada pelas últimas noites brancas.

E veio a voz do Paulo. Simplesmente a voz que eu esperava ouvir, mas com as notícias que eu não queria ouvir. Uma voz cheia de dignidade perante a morte do seu pai.

Agora acalmo. Já escrevi o poema que tinha prometido ao Paulo à saída do Metropolitano, para o pai dele. Já o li à Inês, que o vai publicar no blogue dela.
E solucei a ler o poema e tive muitas dificuldades em chegar ao final. As palavras cortaram-se-me. Ninguém no Monumental pareceu aperceber-se de que as lágrimas me escorriam pela face e que a voz vacilava.

A morte é tão estranha aos que estão vivos.

Peço mais uma Abadia. Chega a Inês, em meu socorro, com a Alexandra e a pequena princesa Catarina, filha da Inês. É quase meia-noite.


E DO ESTORIL SOPROU A BRISA FÚNEBRE

Mais um pássaro
a voar
direito ao Céu

Mais um voo
que foi
e já não é

Mais um Porto
que fica
órfão de um cais

Mais um abismo
a queimar
como braseiro

Mais um amigo
a pensar
se vale a pena


Mais uma alma
atracada
no deserto

Assim ficamos
prostrados, ofendidos
incrédulos, tementes

Como quem não sabe
ou finge não saber
a meta à vista

E do Estoril
soprou
a brisa fúnebre

E depois da brisa fúnebre
virá o vento
e depois do vento

Ainda mais vento
sempre mais vento
até ao fim do vento

E a brisa fúnebre
tão fúnebre de fúnebre
que só fúnebre sabe ser

Dissolve-se no Guincho
em gritos de gaivota
e desfaz-se nas ondas

À procura da lágrima certa
para saudar a partida
de quem nos gerou

A dor fica
mas a Paz
há-de chegar

Luís Graça, 12/1/2006, 22h45m, R.I.P. em memória do pai do Paulo.

sexta-feira, 12 de janeiro de 2007

t


Realiza-se amanhã, 13 de Janeiro, das 15h30 às 18h30, mais uma Tertúlia Poética organizada pela Associação Portuguesa de Poetas no Restaurante “Vá Vá” (Av. Estados Unidos da América, 100 C - Lisboa).

Livros em saldo na Ler Devagar





A livraria "Ler Devagar", que durante seis anos foi um dos mais conceituados espaços de animação cultural do Bairro Alto, em Lisboa, vai reabrir brevemente.
Entretanto, até 20 de Janeiro de 2007, a "Ler Devagar" vai saldar o seu stock nas instalações da ZDB (Galeria Zé dos Bois), situada também no Bairro Alto.
De quarta a sábado, das 18 às 24 horas.
São mais de dez mil livros, a preços que variam entre os 50 cêntimos e os dez euros, mas há também discos e outros artigos.
A "Ler Devagar" - uma das raras livrarias de Lisboa abertas até de madrugada - fechou em 2005, quando os proprietários do edifício onde estava instalada decidiram fazer obras e transformá-lo num condomínio.
Durante seis anos, a livraria acolheu centenas de debates, lançamentos de livros, encontros com artistas, recitais de poesia, sessões de música e exposições.
A nova "Ler Devagar" irá funcionar também no Bairro Alto, num edifício da Rua da Rosa.

Mais informações, aqui.

Biblioteca do Cadaval expõe último poeta amador

O ciclo de exposições de poesia amadora que decorre desde o dia 2 de Outubro, na Biblioteca Municipal do Cadaval, apresenta, até 19 de Janeiro, o último poeta amador a expôr o seu trabalho: Alda Silvestre, oriunda de Vale Côvo (Bombarral).
Recorde-se que esta iniciativa culminará com a publicação, pela CMC, de uma antologia de poesia com textos de todos os participantes no referido ciclo.

Um total de oito autores amadores de poesia, na sua maioria oriundos do concelho cadavalense, tiveram a oportunidade de mostrar e, posteriormente, editar uma selecção dos seus escritos.

Os trabalhos podem ser visitados, na biblioteca do Cadaval, de segunda a sexta-feira, entre as 8.30 e as 18 horas.
No final do ciclo de poesia, serão escolhidos os melhores poemas de cada autor, para uma antologia de poesia amadora, a editar pela Câmara Municipal do Cadaval.


Para mais informações, aqui ficam os contactos da Biblioteca Municipal do Cadaval:
Av. dos Bombeiros, 2550-103 Cadaval;
Tel.: 262 696 155,
E-mail: biblioteca@cm-cadaval.pt;
Blog:www.bibliotecamcadaval.blogspot.com

segunda-feira, 8 de janeiro de 2007

Poemas em voz alta

Que noite serena!
Que lindo luar!
Que linda barquinha
Bailando no mar!

Suave, todo o passado — o que foi aqui de Lisboa — me surge...
O terceiro andar das tias, o sossego de outrora,
Sossego de várias espécies,
A infância sem futuro pensado,
O ruído aparentemente contínuo da máquina de costura delas,
E tudo bom e a horas,
De um bem e de um a-horas próprio, hoje morto.

Meu Deus, que fiz eu da vida?

Que noite serena, etc.

Quem é que cantava isso?
Isso estava lá.
Lembro-me mas esqueço.
E dói, dói, dói...

Por amor de Deus, parem com isso dentro da minha cabeça.

Álvaro de Campos


Na voz de Luís Gaspar:

Al Berto na Casa Fernando Pessoa


As Quasi Edições e a Casa Fernando Pessoa convidam-nos para o lançamento dos livros "Eis-me Acordado Muito Tempo Depois de Mim" (uma biografia de Al Berto) de Golgona Anghel, e, "O Último Coração do Sonho" de Al Berto, que se realizará no próximo dia 11 de Janeiro, às 18:30, com apresentação de Fernando Pinto do Amaral.


Conheci um homem que possuía uma cabeça de vidro.
Víamos — pelo lado menos sombrio do pensamento — todo o sistema
planetário.
Víamos o tremelicar da luz nas veias e o lodo das emoções na ponta dos
dedos. O latejar do tempo na humidade dos lábios.
E a insónia, com seus anéis de luas quebradas e espermas ressequidos.
As estrelas mortas das cidades imaginadas.
Os ossos [tristes] das palavras.

A noite cerca a mão inteligente do homem que possui uma cabeça
transparente.
Em redor dele chove.
Podemos adivinhar uma chuva espessa, negra, plúmbea.

Depois, o homem abre a mão, uma laranja surge, esvoaça.
As cidades (como em todos os livros que li) ardem. Incêndios que
destroem o último coração do sonho.
(...)


Al Berto

Hoje nasceu...





8 de Janeiro de 1863

Paul Scheerbart

Poeta alemão





Artigos relacionados:
Biografia
Poemas: Sons nocturnos

Paul Scheerbart

Paul Scheerbart (pseudónimo de Bruno Küfer), um dos vultos do expressionismo alemão, nasceu em 1863 em Danzig.
A partir de 1887 estabeleceu-se em Berlim, como escritor.
Em 1889 fundou a editora Phantasten, onde publicou os seus primeiros trabalhos.
Escreveu fantásticos contos e romances.
Em 1909, o jovem editor Ernst Rowohlt publicou a primeira colectânea poética de Sheerbart, "Katerpoesie".
Scheerbart esteve ligado a Herwarth Walden e à revista "Der Sturm".
Morreu em 1915, com 52 anos.
Foi um percursor da nova poesia da época, que acompanhou sempre.

Sons nocturnos

Pela velha porta
Rangendo que é um gosto,
Entra o carvoeiro
Com muitas canecas pretas
Tão tristes como cartas pretas.
Hm – que quererá o carvoeiro?
Virá ele oferecer
As últimas gotas aos velhos beberrões?
O carvoeiro tem pernitas curtas;
O seu corpo é uma grande pedrinha quadrada.
E sobre a pedrinha assenta uma cabeça de cera –
Que naturalmente se desfaz toda,
Porque o fogão está quente.
E as canecas pretas caem
Das mãos pretas e velhas
Deste velho carvoeiro
Sobre o soalho branco e mudo.
E o vinho molha as tábuas.
Os velhos beberrões acham muita graça.
As pernitas do carvoeiro
Partem-se ao meio.
E o fogão
Continua encostado à parede – como sempre.

Paul Scheerbart
(1909)
(tradução de João Barrento)

Um livro

Apenas uma coisa entre outras coisas
Mas também uma arma. Foi forjada
Na Inglaterra, em 1604,
E carregada com um sonho. Encerra
O som, a fúria, a noite e o escarlate.
A minha mão sopesa-a. Quem diria
Que contém o inferno: essas barbudas
Bruxas que são as parcas, os punhais
Que executam as duras leis da sombra,
O delicado ar desse castelo
Que te verá morrer, a delicada
Mão que é capaz de ensanguentar os mares,
O clamor e a espada da batalha.

Esse tumulto silencioso dorme
No espaço de um só livro, na tranquila
Prateleira da estante. Dorme e espera.

Jorge Luis Borges



Interpretado pela Andante:


Voz: Cristina Paiva; Música: Clint Mansell; Sonoplastia - Fernando Ladeira.

sexta-feira, 5 de janeiro de 2007





Já saiu mais uma antologia da Associação Portuguesa de Poetas, com a coordenação de Carlos Teles Gomes.
Este número (XIII Volume) tem poemas de 53 autores.
Agradeço à A.P.P. a gentileza de me ter enviado um exemplar, do qual escolhi um poema que aqui vos deixo.


Olhos secos de dor

Pequenas coisas, banais
mágoas de orgulho ferido
traição de alguém conhecido
(um amigo nunca trai)
ódios de gente vulgar
fazem meus olhos chorar.

Se não estivessem toldados
por lágrimas sem razão
de auto-comiseração
e para o outro voltados
vendo olhos secos de dor
inundados de pavor

meus olhos feitos nascentes
de caudais desesperados
no mar da dor mergulhados
sentindo o medo pungente
de quem sofre nesta terra
perseguição, fome, guerra

secos de dor ficariam
e nunca mais chorariam.

Maria Ivone Vairinho


A Associação Portuguesa de Poetas existe como associação cultural desde 1985 e tem por objectivo difundir a Poesia em língua portuguesa, proporcionar o convívio, o diálogo e a interajuda entre os seus associados e informá-los de toda a actividade poética existente.
A Associação realiza dois Encontros Poéticos mensais: um no Palácio Galveias (com uma palestra sobre o Poeta do Mês) e outro no Restaurante Vá-Vá (dedicado à poesia dos associados). Realiza também palestras culturais na Livraria-Galeria Verney, em Oeiras, edita um Boletim trimestral gratuito e uma Antologia Poética anual com poemas dos associados, organiza Jogos Florais e tem um Grupo de Jograis que, gratuitamente, actua em diversos eventos. Realiza, ainda, anualmente, uma homenagem a Luís de Camões no Mosteiro dos Jerónimos no dia 10 de Junho.
A Associação tem associados em Espanha, Luxemburgo, Alemanha, Angola, Brasil, EUA e Canadá.
Mais informações, aqui.

quinta-feira, 4 de janeiro de 2007

Na estante de culto









Há muitos e muitos milhares de anos, a poesia aproximou-se do homem e tão próximos ficaram, que ela se instalou no seu coração.
«Rosa do Mundo - 2001 Poemas Para o Futuro» é uma obra colectiva feita por muitas dezenas de pessoas com sensibilidades diferentes, mas tendo em comum o grande amor pela poesia. Trata-se de uma obra ambiciosa, procurando abarcar a poesia conhecida ao longo da História, desde as civilizações mais remotas até aos autores nascidos em 1945.
Como o leitor constatará ao longo do livro a rosa atravessa a poesia universal de todas as épocas. E Rosa do Mundo foi a expressão que propositada e silenciosamente veio ter connosco para dizer Poesia.»
(Manuel Hermínio Monteiro, Abril de 2001)

Ao editor da Assírio & Alvim Manuel Hermínio Monteiro falecido em Junho de 2001 — que tinha a arte de falar de livros e o desejo de editá-los — se deve a publicação de "Rosa do Mundo - 2001 Poemas Para o Futuro".

A Rosa do Mundo é o Mundo num livro. 2001 poemas em 1920 páginas. É um livro para abrir de vez em quando e partir à descoberta das palavras dos outros. Um livro que se levaria para uma ilha deserta.

Uma edição da Assírio & Alvim, numa iniciativa conjunta com a Porto 2001 - Capital Europeia da Cultura.
Um livro universal e imprescindível. Ainda disponível nalgumas livrarias.

Rosa do Mundo - 2001 Poemas para o Futuro
Direcção editorial: Manuel Hermínio Monteiro
Organização: Manuela Correia
Coordenação editorial: Sara Oliveira, com a colaboração de: Gil de Carvalho e José Alberto Oliveira
Colaborações principais:
Adalberto Alves (poesia árabe contemporânea)
Ana Paula Guimarães (poesia portuguesa de tradição oral)
Cecília Rego Pinheiro (poesia inglesa)
Doina Zugravescu (poesia árabe pré-clássica e clássica, romena e turca)
Ernesto Rodrigues (poesia húngara)
Ernesto Sampaio (poesia italiana)
Filipe Jarro (poesia francesa)
Gil de Carvalho (poesia chinesa)
Halima Naimova (poesia persa)
Irene Freire Nunes (poesia provençal)
João Barrento (poesia de língua alemã)
Jorge Henrique Bastos (poesia brasileira e latino americana)
José Alberto Oliveira (poesia norte-americana)
José Bento (poesia de língua espanhola)
José Domingos Morais (poesia da cultura celta)
José Tolentino Mendonça (textos bíblicos)
Manuel Hermínio Monteiro (poesia portuguesa)
Manuel João Magalhães (cosmogonias)
Manuel João Ramos (cosmogonias)
Maria Aliete Galhoz (Cancioneiro e Romanceiro Português)
Maria Helena da Rocha Pereira (clássicos gregos e latinos)
Nina Guerra e Filipe Guerra (poesia russa)
Stephen Reckert (poesia japonesa)
Teresa Amado (poesia galaico-portuguesa)

Edição Assírio & Alvim, 2001


A ROSA DO MUNDO

Quem sonhou que a beleza passa como um sonho?
Por estes lábios vermelhos, com todo o seu magoado orgulho,
Tão magoados que nem o prodígio os pode alcançar,
Tróia desvaneceu-se em alta chama fúnebre,
E morreram os filhos de Usna.

Nós passamos e passa o trabalho do mundo:
Entre humanas almas, que se agitam e quebram
Como as pálidas águas em seu fluxo invernal,
Sob as estrelas que passam, sob a espuma do céu,
Vive este solitário rosto.

Inclinai-vos, arcanjos, em vossa incerta morada:
Antes de vós, ou de qualquer palpitante coração,
Fatigado e gentil alguém esperava junto ao seu trono;
Ele fez do mundo um caminho de erva
Para os seus errantes pés.

W. B. Yeats
(tradução de José Agostinho Baptista)
(pág. 1163)

quarta-feira, 3 de janeiro de 2007

Prémio Municipal de Poesia Nuno Júdice







A Câmara Municipal de Aveiro apresentou hoje o Prémio Municipal de Poesia Nuno Júdice, um prémio no valor de 2.500 euros, que será entregue no dia 21 de Março, Dia Mundial da Poesia.
Os candidatos podem apresentar os trabalhos concorrentes entre 4 de Janeiro e 16 Fevereiro de 2007.
Organizado pela Câmara Municipal de Aveiro, o Prémio Municipal de Poesia Nuno Júdice conta com a parceria da Universidade de Aveiro e do Grupo Poético de Aveiro.
O prémio pretende contribuir para a reafirmação da poesia como género maior da literatura portuguesa, estimular a criação literária, em particular a poética, incentivando os participantes a ousar formas narrativas modernas e de vanguarda na esteira das referências de contemporaneidade da obra de Nuno Júdice, e favorecer o aparecimento de novos autores portugueses.
Fazem parte do júri o vereador dos Assuntos Culturais, Miguel Capão Filipe (presidente), Fátima Pombo, Luís Serrano, Alberto Serra e Rosa Maria Oliveira, representante do Grupo Poético de Aveiro.
Mais informações, aqui.
O regulamento do Prémio Municipal de Poesia Nuno Júdice estará disponível on-line no site da Câmara Municipal de Aveiro, em: www.cm-aveiro.pt.