terça-feira, 5 de dezembro de 2006

Na estante de culto




Gabriela Mistral
(pseudónimo escolhido por Lucila de María del Perpetuo Socorro Godoy Alcayaga, numa homenagem aos seus poetas preferidos: Gabriele D'Annunzio e Frédéric Mistral) nasceu no Chile em 1889.
Poetisa, professora e diplomata, foi a primeira escritora latino-americana a ganhar o Prémio Nobel da Literatura, em 1945.

Ganhou nome como poetisa em 1914, depois de ter sido premiada nuns Jogos Florais pelos seus "Sonetos sobre a morte", inspirados no suicídio do noivo, facto que a marcaria para toda a vida. Nesses Jogos Florais apresentou-se com o pseudónimo que dali em diante a acompanharia para sempre.
Ao seu primeiro livro de poemas, Desolación (1922), seguiram-se Lecturas para Mujeres, (1923), Ternura, (1924), Nubes Blancas y Breve Descripción de Chile, (1934), Tala, (1938), Antología, (1941), Lagar, (1954) e Recados Contando a Chile, (1957), entre outros.
O Prémio Nobel transformou-a numa figura de destaque da literatura internacional e levou-a a viajar por todo o mundo (também viveu em Portugal) e representar o seu país em comissões culturais das Nações Unidas, até falecer em Nova York em 1957.

Antes desta “Antologia Poética” (organizada e traduzida por Fernando Pinto do Amaral), Gabriela Mistral ainda não tinha sido publicada em Portugal. A Editora Teorema veio assim preencher essa lacuna com este livro, que, nas palavras de Fernando Pinto do Amaral (e que subscrevo) nos mostra as palavras de Gabriela “muito perto das suas raízes terrestres, mas que parecem de vez em quando ganhar asas e voar ao longo do tempo e do espaço, projectando-se nessa dimensão aérea ou musical que corresponde, afinal, à essência disso a que, melhor ou pior, continuamos a chamar poesia.”


Montanhas Minhas

Em montanhas me criei,
mais de três dúzias se erguiam.
Parece que nunca, nunca,
embora escute os meus passos,
as perdi, nem quando é dia,
nem quando é noite estrelada,
e embora veja nas fontes
a cabeleira nevada,
não fugi nem me deixaram
como filha mal lembrada.

E embora sempre me chamem
uma ausente e renegada,
possuí-as e ainda as tenho,
persegue-me o seu olhar
ao longo da minha estrada.



Primeiro Soneto da Morte

Desse gelado nicho onde homens te puseram
hei-de tirar-te e pôr-te em terreno soalheiro.
Que nela hei-de dormir os homens não souberam
e havemos de sonhar no mesmo travesseiro.

Hei-de deitar-te então no terreno soalheiro
com a doçura da mãe prò filho adormecido,
e a terra há-de ser suave como um berço inteiro
ao receber-te o corpo de menino ferido.

Depois vou esfarelar a terra, o pó das rosas,
e ao luar, na poalha azulada e futura,
irão ficando presos os leves destroços.

Vou-me afastar cantando vinganças gloriosas,
porque nenhuma outra mão nessa fundura
poderá disputar-me o teu punhado de ossos!



“Antologia Poética”
Selecção, tradução e apresentação de Fernando Pinto do Amaral
Editorial Teorema
2002

Recomendo.

1 comentário:

Anónimo disse...

De facto o nosso panorama editorial no que se refere a prémios Nobel e ainda por cima poetas deixa muito a desejar. Ainda bem que a Teorema, em 2002, resolveu editar Gabriela Mistral, pois sei bem que quando quis conhecer Gabriela tive que comprar livros em língua espanhola. “Poema de Chile” , livro póstumo, adquiri-o em 1967 e, em 1994, comprei o primeiro livro dela “Desolacion”, ambos editados no Chile. Poderia em 1971 ter escolhido a hipótese de comprar a edição brasileira de “Poesias Escolhidas”, como fiz agora com outro poeta, Nobel em 1992, o antilhano Derek Walcott que não tem, pelo menos que eu saiba, livro editado em Portugal, apenas alguns poemas espalhados por revistas como os que vêm, por exemplo, no n.º 9 da “Limiar” de 1997.
É certo que não tenho Gabriela Mistral na minha estante de culto mas sei que já me deleitei muitos com os seus poemas, apesar de alguma amargura, (“este libro amargo”) como ela própria classificava o seu livro “Desolacion”, mas sempre gostei muito do que ela dizia dos livros que são seres “vivos en su silencio, ardientes en su calma”.