quinta-feira, 31 de agosto de 2006

Recordar Eugénio de Andrade...





Eugénio de Andrade
nasceu no Fundão em 1923.
Usava o pseudónimo José Fontinhas.
Para além de se ter dedicado à poesia desde muito cedo, também organizou várias antologias e traduziu vários poetas estrangeiros, como por exemplo, Garcia Lorca.
A obra de Eugénio de Andrade é vasta e "As Mãos e os Frutos" editado em 1948 e "Os Amantes sem Dinheiro" editado em 1950, colocaram-no merecidamente entre os maiores poetas portugueses, tendo assim acumulado várias provas de reconhecimento como, por exemplo, o Grande Prémio de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores, em 1989, o Prémio Jean Malrieu para o melhor livro de poesia estrangeira publicado em França, no mesmo ano, e a criação da
Fundação Eugénio de Andrade, em 1990, no Porto.
Foi também homenageado pelo Presidente da República em 1982, com o Grau de Grande Oficial da Ordem Militar de Santiago da Espada.


Adeus

Já gastámos as palavras pela rua, meu amor
e o que nos ficou não chega

para afastar o frio de quatro paredes.

Gastámos tudo menos o silêncio.

Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,

gastámos as mãos à força de as apertarmos,

gastámos o relógio e as pedras das esquinas

em esperas inúteis.


Meto as mãos nas algibeiras

e não encontro nada.


Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro!

Era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes!

E eu acreditava.

Acreditava,

porque ao teu lado

todas as coisas eram possíveis.

Mas isso era no tempo dos segredos.

Era no tempo em que o teu corpo era um aquário.

Era no tempo em que os meus olhos

eram peixes verdes.

Hoje são apenas os meus olhos.

É pouco, mas é verdade,

uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.

Quando agora digo: meu amor...,

já se não passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,

tenho a certeza

de que todas as coisas estremeciam

só de murmurar o teu nome

no silêncio do meu coração.


Não temos já nada para dar.

Dentro de ti

Não há nada que me peça água.

O passado é inútil como um trapo.

E já te disse: as palavras estão gastas.


Adeus.

Eugénio de Andrade


Na voz de Luís Gaspar:

3 comentários:

Anónimo disse...

Nunca como agora senti tanto que as palavras estão gastas. Ou melhor, que já não há palavras.
O Eugénio foi (é) uma verdadeira lição poética. Ensinou-nos que não é preciso sem complicado para ser bom poeta, que a essência das coisas se atinge singelamente.

Anónimo disse...

O nosso amigo Luís é imparável, não achas?
Luis Pinto

Inês Ramos disse...

Acho! Embora criar um clube de fãs?
:-)