domingo, 5 de setembro de 2010

Madalena Férin (1929-2010)


Morreu, anteontem, em Lisboa, a Poetisa Madalena Férin.
Nascida em Vila Franca do Campo (Ilha de São Miguel), a sua obra, segundo Maria Estela Guedes, «está toda ela vinculada aos Açores, à geografia vulcânica, ao mar, à neblina, às ilhas».
O seu primeiro livro, Poemas, data de 1957, tendo-lhe sido atribuído o Prémio Antero de Quental, que voltaria a receber com O Anjo Fálico, em 1990. Além destes, participou (em 2000, com os poetas Teresa Zilhão, Manuela Nogueira e José Núncio) no livro colectivo Quarteto a Solo e publicou os seguintes livros de poesia: Meia Noite no Mar (1959 - reeditado em 1984); A Cidade Vegetal e outros poemas (1987); Prelúdio para o dia perfeito (1999) e Um Escorpião Coroado de Açucenas (2003). Da sua bibliografia constam ainda dois romances, alguns contos (designadamente para crianças) e ensaios dispersos por várias publicações.
O Presidente da Região Autónoma dos Açores, Carlos César, realçou ontem que Madalena Férin foi «uma lutadora pelos ideais que o 25 de Abril tornou realidade, granjeando, por isso, a admiração de quantos tiveram o privilégio de a conhecer».


Mar de oeste

Eis que do seu dorso despontaram garras!
No vértice onde se embalavam peixes
nasceram asas,
num anseio de pombas
mortas implumes...

Eis que o líquido e o denso se casaram
formando um monstro: rochedo e cavalo,
serpente e águia,
grilheta e asa!
E num barco de papel navego eu!

(in Poemas, 1957)


Eu sou a que vim
através do nevoeiro sem couraça
com veneno nos gestos
indefesos
e com guizos de lata

Eu sou a que trouxe
explodido e retenso um mar de lava
maré-viva de fogo
nos meus dias
sem degelas de prata

Transporto nos meus coldres
toda a fúria
de me rasgar nas espadas afiadas
e uma rosa ardendo
na brancura
de se afogar em nada

(in A cidade Vegetal e outros poemas, 1987)


Circe apaga o meu nome
e o desejo do nome
ser flor ou animal
aroma ou afluente
regressar ou ficar
entre a noite e a morte
a substância de ser ou não
presente

Circe apaga o desejo
de sermos verticais
ela fecha a janela
que dá para o outro lado
transmuda o corpo aberto
em lama que rasteja
em pêlos eriçados
o vestido de bronze

quando as naus regressarem
já não somos humanos

(in Um Escorpião Coroado de Açucenas, 2003)

1 comentário:

Anónimo disse...

Conheci-a desde miúda, é um choque saber da sua morte, mas espero que esteja num sítio melhor agora.