sábado, 12 de dezembro de 2009

Um livro de poesia a cada dia...
nem sabe o bem que lhe fazia


sobre as imagens
Amadeu Baptista
Cosmorama Edições, 2008








Natividade

Assim nascemos, desconcertadamente desvalidos,
para triunfar da servidão e da pobreza. Caminha-se
toda a vida, mas o rudimentar momento da partida
indicia que a porta derradeira é a primeira e que, aqui chegados,
não somos mais que uma pedra nua onde pulsa um coração,
uma pedra que brilha, venham ou não os anjos acalentar
o templo, venham, ou não, outros pastores, de longe,
consolidar as nossas incertezas, trazendo uma medida de leite,
uma pele curtida, um bordão que possa florir.

Aqui estou, como se fosse orvalho sobre as palhas douradas
de uma manjedoura, e ouço na cabeça o clamor do universo,
esta angústia de tudo conhecer desconhecendo tudo, de que poder
vem a mim este poder, este tempo sem tempo
para o que foi semeado e à colheita chega já colhido
e os olhos do burro e o bafo da vaca docilmente adoçam
para que se não se quebre nenhum osso e nenhuma promessa.

Assim se nasce, e nasce-se para morrer, mesmo que a estrela
brilhe e a ressurreição seja a insurreição prescrita para a morte
e a humildade avise que a vida é lobo e é cordeiro
e que quando se nasce a vigília principia, porque tudo é vital,
visível e invisível, e tudo está escrito e consumado,
e em Jerusalém não fique pedra sobre pedra
porque somos e não somos mais que uma pedra infinda.

Sem comentários: