sexta-feira, 1 de setembro de 2006

Blaise Cendrars

"Torre"

1910
Castellamare
Jantava uma laranja à sombra da laranjeira
Quando, bruscamente...
Não era a erupção do Vesúvio
Não era a nuvem de gafanhotos, uma das dez pragas do Egipto,
Nem Pompeia
Não eram os gritos ressuscitados dos mastodontes gigantes
Não era Trompa anunciada
Nem a rã de Pierre Brisset
Quando, bruscamente,
Lumes
Choques
Ressaltos
Faísca de horizontes simultâneos
O meu sexo

Ó Torre Eiffel!
Não te calcei de ouro
Não dancei contigo em lajes de cristal
Não te destinei ao Píton como uma virgem de Cartago
Não te revesti do peplo da Grécia
Nunca te pus a divagar no recinto dos menires
Não te nomeei Vara de David nem Madeiro da Cruz
Lignum Crucis
Ó Torre Eiffel
Fogo-de-artifício gigante da Exposição Universal!
No Ganges
Em Benares
No meio dos piões onanistas dos templos hindus
E dos gritos coloridos das multidões do Oriente
Inclinas-te, graciosa Palmeira!
És tu quem nos tempos lendários do povo hebreu
Confundiste a língua dos homens
Ó Babel!
E uns mil anos mais tarde, foste tu quem caiu em línguas de fogo sobre os
Apóstolos reunidos na tua igreja

No alto mar és um mastro
E no Pólo Norte
Resplandesces com toda a magnificência da aurora boreal da tua telegrafia sem fio
As lianas enredam-se nos eucaliptos
E flutuas, velho tronco, no Mississípi
Quando
Se abre a tua goela
E um caimão prendeu a coxa dum negro
Na Europa és um dacafalso
(Queria ser a torre, pendurado na Torre Eiffel!)
E quando o sol se põe atrás de ti
A cabeça de Bonnot rola na guilhotina
No coração da África és tu quem corre
Girafa
Avestruz
Jibóia
Equador
Monções
Na Austrália foste sempre tabu
És o croque que o capitão Cook usava para guiar o seu navio de aventureiros
Ó sonda celeste!
Para o Simultâneo Delaunay, a quem dedico este poema,
És o pincel que ele banhava em luz

Gongo tantã zanzibar bicho da selva raios-X trem expresso bisturi sinfonia

És tudo
Torre
Deus de antiguidade
Besta moderna
Espectro solar
Matéria do meu poema
Torre
Torre do mundo
Torre em movimento

Blaise Cendrars
(tradução de Filipe Jarro)

Blaise Cendrars (pseudónimo de Frédéric-Louis Sauser), nasceu no dia 1 de Setembro de 1887, na Suíça (Chaux-de-Fonds), filho de mãe escocesa e pai suíço.
Em 1906 foi para em S. Petersburgo e depois para a China. Três anos depois partiu para Berna, onde fez um curso universitário. Em 1911 foi para Nova Iorque e no ano seguinte instalou-se em Paris onde lançou “Os Homens Novos”. No mesmo ano publicou “Páscoa em New York”, um poema de trinta páginas que anunciava uma nova arte: o modernismo.
Blaise Cendrars foi um dos mais importantes representantes das vanguardas artísticas do começo do século XX. Na década de 10, escreveu o famoso poema “A prosa do transiberiano e da pequena Joana de França”. Cendrars alistou-se como voluntário na Legião Estrangeira durante a Primeira Guerra, onde perdeu o braço direito. No começo dos anos 20, Cendrars foi ao Brasil e travou amizade com os modernistas Oswald de Andrade e Mário de Andrade.
A vida de Blaise Cendrars foi de constante aventura, com viagens por quase todo o mundo, variadíssimas ocupações para ganhar a vida e 50 obras geniais. “Moravagine” foi escrito em 1926 e foi traduzida para mais de vinte línguas. “Hollywood, a Meca do cinema” foi escrito em 1936. Cendrars foi condecorado com a Légion d’Honneur por André Malraux em de 1958. Morreu em 1961.

1 comentário:

Anónimo disse...

Não esquecer que Blaise Cendras teve papel importante no modernismo brasileiro, estimulando e participando do projeto Pau- Brasil, ao lado de Oswald de Andrade, aceitando o convite deste e vindo ao Brasil, em 1924, onde voltou em 1926 e 1927-28, deixando mais de 1000 folhas escritas sobre nosso país.